Solitária

Quando era criança e saía para pescar com meu avô sempre encontrávamos dessas árvores pela beira do rio ou pelos pastos que atravessávamos. Ontem me dei conta que a árvore antiga que existe no pequeno pátio da clínica veterinária onde levo meus cachorros há bastante tempo, em plena selva de pedra de um dos maiores bairros da região, é a mesma que abundava no interior quando eu era pequena. Não que eu tenha crescido muito em estatura, mas cresci em idade. Naquela época eu tinha poucos anos, agora tenho muitos e acho que por isso estou ficando saudosista.
Mas voltando à questão da árvore que suscitou essa verborragia, ela está carregada de frutinhos caindo de maduros e a faxineira reclama da sujeira que provocam. Disse a eles que aquilo é uma raridade, pois eu que vou lá há tempos nunca havia reparado em que tipo de árvore era aquela. Passei inúmeras vezes sob ela sem nunca olhar pra cima. Desta vez prestei atenção nas frutas caidas no chão e as reconheci.
Essas árvores na minha infância eram ralas, de galhos finos e pareciam franzinas. Essa é robusta, fechada e com folhas reluzentes verde musgo. Acredito que seja antiga, bem antiga, uma sobrevivente.
A região cresceu descomunalmente ao redor e ela é a única daquela rua, pressionada entre o cimento da calçada do pequeno átrio que permanece de pé, ali erguida estoicamente resistindo a passagem do tempo e ao progresso galopante que transformou aquela localidade num bairro moderno e populoso.
Ela é do tempo em que casas tinham amplos quintais e árvores frutíferas contribuíam para o sustento das famílias e a alegria da garotada.
Garotos não sobem mais em árvores e nem roubam frutas dos quintais dos vizinhos, não pescam com seus avôs, carás, bagres e lambiras para ter conduto no almoço. As poucas espécies de plantas que se vê por aqui são ornamentais na grande maioria dos casos.
Na cidade hoje a vida corre cérele, passa batido por tudo o que não for efêmero e provisório.
O araçazeiro continua lá, formoso, teimoso e solitário, dando frutas que ninguém come, dando sombra que ninguém agradece pois que as pessoas não têm mais tempo para parar e descansar em baixo dele, oferecendo uma beleza que ninguém aprecia.
São outros tempos, alguém me dirá e eu concordo.
Novos tempos esses que ninguém sabe onde vai dar ou como acabará.
Roseli Schutel
Enviado por Roseli Schutel em 06/02/2018
Reeditado em 25/04/2018
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