Lua e Sol

Como apreciador do Cosmo desde a mais tenra infância, os dois principais luzeiros do nosso céu terráqueo me fascinam pela sua beleza e excentricidade. Por isso, sobretudo de alguns anos para cá, em momentos de ócio contemplativo, tenho pensado a respeito de algumas características de ambos: desde sua rotina até seus momentos de extravagância. A última superlua - que eu só pude ver pela manhã, devido à elevada nebulosidade noturna - me deu o empurrão final para escrever algumas destas impressões aqui e agora para você.

Primeiramente, motivado pelo supracitado fenômeno lunar, permita-me falar das manifestações extraordinárias de ambos os astros. Comecemos pelo Sol: há quanto tempo você não vê um eclipse total? Ou mesmo um parcial? Arrisco-me mesmo a dizer que você nunca viu um acontecimento destes, não é? Pois é, em minhas breves trinta translações ao seu redor, só me lembro de dois eclipses parciais - e só. Não preciso nem dizer o tamanho da minha frustração ao pensar que a conta de meus dias acabe sem que eu veja nada mais além disso: raros e não tão empolgantes eclipses parciais.

E o que mais o Sol tem a nos proporcionar de extraordinário além dos badalados eclipses? Muito pouco! E mesmo nos momentos em que ele tem seu ofuscante brilho “ofuscado”, devemos à fortuita presença da Lua - mas já-já falaremos dela. Voltando ao Astro-Rei, ao cidadão comum, o Sol não tem muitas surpresas a oferecer, até porque mal podemos mirá-lo a olho nu. Tal qual um monarca que arroga a si uma aura sobrenatural, não podemos olhar diretamente para ele. E se olhamos, pagamos um preço desagradável.

Bom, vá lá, há alguns fenômenos solares interessantes como os halos, além dos crepúsculos, mas aqueles são acompanhados de dias desconfortavelmente secos, e estes são corriqueiros e nem sempre tão belos - embora eu deva confessar que sou um antigo apreciador de pôres-do-Sol. Tudo bem, não odeio o Sol: o amo; amo mesmo! Mas apenas constato que a lista de “shows” que ele pode nos oferecer é limitada e rara, por sua própria natureza estelar.

Agora falemos da Lua: Lua sangrenta, eclipse parcial, superlua, halo lunar, além dos seus fascinantes ciclos e a adorável lua cheia. OK, nem tudo isso é extraordinário, mas a Lua não é estática como aquele que lhe ilumina. Ela está em constante transformação. Mesmo o seu movimento no céu é irregular - quem nunca viu dias claros com a Lua ali, de plantão? A Lua sempre tem algo para nos chamar a atenção, e mesmo os seus fenômenos mais “raros” não são tão raros assim. Lembra-se da pergunta que eu lhe fiz a respeito dos fenômenos solares? Repito-a agora a respeito da Lua: há quanto tempo você não vê um fenômeno lunar? Decerto, não muito! Agora mesmo, nesta virada de mês, tivemos a superlua - visível apenas para quem teve a fortuna de estar longe de um céu nublado e chuvoso (nuvens, me aguardem. Em breve falarei de vocês). E quantos eclipses lunares você já viu? Aposto que um bocado! A Lua sempre nos presenteia com algo diferente em nossos céus noturnos, buscando embalar sonhos e poesias.

Não é à toa que a Lua é muito mais sensual. E não é à toa também que ela, no nosso formoso idioma, seja designada no feminino; ao passo que nossa sisuda estrela amarela seja o masculino Sol.

Passemos agora à rotina dos dois astros. Comecemos mais uma vez pelo Sol.

Ele é causa e testemunha dos nossos dias sofridos de trabalho, e todo o fardo de ser humano sobre a Terra. Quando surge no levante, nos tira do abrigo aconchegante de nossos leitos para a rotina padrão do trabalho urbano ou rural. E amplifica nosso castigo ao queimar nossos frágeis corpos com seu terrível calor - fúria que a querida Mãe Terra faz questão de atenuar na sua aprazível atmosfera. Praticamente tudo o que nos tira o sossego é feito sob sua inescapável luz - com o perdão dos praieiros e dos que usufruem de tempo livre, mas admitam que a maior parte de nossa existência sob o Sol é na labuta.

Quanto à Lua, ela é cúmplice do descanso e ócio da maioria de nós. A quem se digna estar em sua presença, ela é extremamente agradável: não queima ou ofusca - você já viu alguém desenvolver câncer de pele por culpa dela? Você pode olhá-la diretamente, contemplar suas manchas e crateras injustamente adquiridas pela surra espacial que toma na defesa do nosso planeta, e ter seus olhos intactos mesmo após uma prolongada observação. E quantas coisas agradáveis a Lua embala! Poesias, canções, encontros, aventuras, paixões e amores - imagine só quantos de nós fomos concebidos pela libido despertada por seus raios prateados! Sem falar do sono… esta amável e gratuita atividade que nos revigora para encararmos o impiedoso Sol do dia seguinte.

Por tudo isto e muito mais - que só me digno a discutir ao redor de uma boa mesa sob um belo luar - que a Lua é tremendamente mais interessante que o Sol. Porém, veja bem: interessante não significa importante! Não digo que o Sol não seja necessário - óbvio, né. E ele também possui inomináveis encantos. Porém, seu árduo e nobre papel de sustentador do milagre da vida neste mundo não lhe permite muitas peraltices na abóbada celeste. O Sol é um cara sério, sisudo, trabalhador. Ele tem muito a fazer. E deixa sua companheira Lua livre para brincar conosco, e embalar o gigantesco rol de devaneios ao qual este pequenino ensaio vem integrar.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 02/02/2018
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