Anos 70: uma Fábrica e um Sindicato.
Aos dezenove anos conheci uma grande fábrica de carros, e um grande sindicato dos metalúrgicos, corria o ano de 1973 e a ditadura andava brava por aqueles dias. O presidente ? Ora, o pior de todos os que já tivemos por aqui : Médici.
Como um período "pré-diluviano ",antes de qualquer Partido, darei um depoimento apenas pelo meu prisma , da visão de um jovem , que trabalhava, estudava à noite, namorava, jogava bola , um rapaz comum, como dizia " Belchior" - " ...desses que se vê na rua ".
As Montadoras estavam todas no Grande ABC, relativamente perto, uma das outras, pois migraram para lá por incentivos fiscais nos anos de ouro ,de Juscelino. Perto da Capital e do Porto de Santos , havia uma facilidade logística, e uma mão de obra próxima.
Vamos ao ponto; a rosca só espana quando passa do torque, e é o que vinha ocorrendo naquela época, tanto da classe patronal, que seguia ao sabor dos ventos , priorizando apenas a sua produção, quanto do governo que calava a todos com mão de ferro.
Com um grande e especializado contingente de operários, o Sindicato crescia rapidamente, a sua força motriz era a própria mão de obra, a mesma que produzia em massa , era a faca e o queijo, e não havia como errar o corte. Foi o que aconteceu ! Principalmente as Montadoras americanas, como a Ford e a Chevrolet (GM), que não engoliam bem o regime militar, e nem uma ditadura, pois isso ofendia o governo dos EUA, um país livre, e por isso ninguém mexia com elas, pois a força do governo dos Estados Unidos sempre as protegeram , mesmo que só por sombra.
As empresas demitiam com a mesma volúpia que admitiam, as filas eram quilométricas nas portas das fábricas, e os operários iam e voltavam com frequência, o trabalho , pesado demais, pois nada era informatizado, e os acidentes aconteciam com certa frequência. Nada disto importava, só a produção !
Os pagamentos eram em dia, em envelopes lacrados, com centavos e tudo, em dinheiro vivo, que muitas vezes paravam nas barracas de bebida e prostituição que se alojavam na saída, alguns operários viviam apenas o momento, e se matavam aos poucos em vícios. Até na hora do almoço, corriam para a cachaça, e os chefes, podres da época, diziam : " Assim eles trabalham o dobro" - Animais uniformizados, irreconhecíveis , famílias destruídas em troca de uma " produção". Cansei de ver !
O Sindicalismo veio com tanta força que parecia um "Tsunami", e como atacava aquele governo em primeiro plano, cujas leis trabalhistas eram retrógradas, as Montadoras deram linha à correr, e às vezes comia o amargor da sua própria fatia. O Brasil se aproximava , na marra, de um sistema mais justo, e os espaços foram duramente conquistados, ano a ano.
Vivi essa época, e estive lá, quando invadiram o prédio da diretoria Ford, e viraram os carros estacionados, "estava lá", o vidro da porta se quebrou em mil pedaços, atearam fogo , derrubaram a minha mesa e o meu telefone voou pela janela , esmigalharam as máquinas de escrever, e como éramos operários da mesma empresa, nos respeitaram por completo, nenhuma palavra nos disseram. Fui um dos poucos que continuou no lugar, possivelmente por ter me iniciado na fábrica, senti desde o inicio que nada nos aconteceria. Quando a polícia e as emissoras de TV chegaram , me deram uma prancheta para relacionar os estragos.
O motivo ? Havia acontecido uma greve de trabalhadores de manutenção, e no pagamento seguinte a Ford descontou os dias parados, sem negociar um parcelamento, e assim , os operários não puderam levar o sustento para casa. Pode parecer correto, mas não é ! Quando ocorrem greves, elas tem um motivo, pois toda a ação provoca uma reação, então a retomada tem que ser negociável. Um precisa do outro, endurecer não leva a nada; "a escravidão terminou há mais de cem anos !".
Depois daquele dia ( já nos anos 80), muita coisa mudou , às vezes o respeito só se consegue na força extrema. Havíamos sidos instrumentos usados, força operária, para as Montadoras e também para o Sindicato, e agora tínhamos adquirido direitos . Pela primeira vez tínhamos direitos , e não só deveres !