__________________A Casa
Ela foi construída para aluguel, num terreno comprido e estreito entre dois prédios altos. Sentia- se meio estranha, oprimida pelos paredões que a ladeavam. Por suas tímidas janelas não entrava sol, embora necessitasse essencialmente de sol para se aquecer e clarear seus cômodos sempre envoltos numa atmosfera pesada e soturna. Não, não que seus cômodos fossem pequenos. Pelo contrário, eram amplos e espaçosos, mas de que lhe adiantavam, se tinham sempre aqueles ares tristes e solitários, destoando de tudo que os supostos inquilinos desejavam? Era sempre a mesma história: numa primeira olhada, os interessados iam já embora, pensando consigo:”É uma boa casa, mas tem algo de esquisito”.
E assim, a casa ia se fechando, se isolando cada vez mais, ali no quarteirão dos prédios altos e casas solares de fachadas alegres. Em tempos chuvosos era pior. Naquelas chuvas torrenciais dos longos janeiros, ela amargava seus musgos e mofos. As paredes iam escurecendo em umidades tristes e deprimentes. Até que começaram as primeiras trincas. Entre visitas cada vez mais espaçadas, os proprietários a olhavam com desagrado, até que concluíram: “Essa casa é puro prejuízo, nem reforma compensa mais”.
Um dia, veio a decisão de vender o imóvel. A casa soube de tudo e se confrangeu, se encolheu em seu destino inútil, de ser imprestável e sem serventia, mas algo dentro dela vibrou na esperança de alguma mudança. A proposta de negócio interessou ao dono de um dos prédios vizinhos e, fechado o contrato de compra e venda, a demolição foi o primeiro passo.
Vieram as máquinas e tudo virou pó. Apenas o espírito da casa ali permaneceu observando de fora os próprios escombros. As caçambas recolheram pedras, tijolos, lajes de concreto, telhas, madeiras, tudo tão velho que deixou no ar um cheiro esquisito de ranço e decrepitude. Sob as potentes lâminas e os vorazes tentáculos das retroescavadeiras o terreno ganhou nova aparência. Ficou liso e limpo, com o ar circulando livremente por todos os cantos.
Chamaram um paisagista. Num primeiro olhar aos prédios altos e cinzentos, ele viu de pronto, inteirinho, o oásis das crianças dos apartamentos. O espaço ganhou vida, aos poucos, e ao fim de algum tempo ninguém o reconheceria. Virou um pequeno lugar de respirar. E respirar ar puro, uma nesga de natureza suavizando o aço, o vidro e o concreto dos edifícios. Grama verde, passarelas de pedra, árvores com ninhos de pássaros, tudo avivado pelas cores vibrantes das muitas gérberas, gerânios, exórias e strelitzias espalhadas pelos canteiros. E quem diria! Até uma cascata jorrava barulhos mansos, abrigando pequenos peixes que faziam o delírio dos olhinhos infantis.
Por fim, aqui e ali, instalaram brinquedos coloridos: escadinhas, túneis, escorregadores, casinhas, balanços, que as crianças habitavam com sua alegria, quando desciam dos apartamentos para o ar das manhãs, ou voltavam nas tardes mornas de depois da escola. Pelos bancos de pedra, sob as sombras, mamães, papais, vovôs e vovós, passeavam olhares descansados sobre os pequenos que contagiavam o lugar com sua energia inesgotável. O alarido dos risos felizes enchia o local, outrora tão triste, até que a noite caía, e era a hora da lua, das estrelas, dos pássaros noturnos. O descanso se fazia no ar, era a calma... a calma da alma... A alma da casa que agora livre e em paz também ia dormir. Ah, como era bom, depois de um dia intenso de alegrias, aquele silêncio de hora de dormir, e a certeza de encontrar o seu lugar, sem jamais ter saído dele...