FLÂMULAS MUDAS DA SOLIDÃO
Solidão é uma fome que nunca desiste de jorrar.
Voz latejante que sangra sem a gente perceber nem querer.
Assim vai nos enchendo de buracos imensos que acabam virando tudo da gente, um amontoado de buracos e nada mais.
Falo da solidão com propriedade, pois quem abraça ser escritor tem que estar preparado a ermitar-se milhões de dias, esquecendo seu nome, seu endereço, seu entorno e tudo o mais.
A minha solidão às vezes passa a mão na cabeça com ternura de avó e fica me embalando até o sono se aconchegar.
Solidão embaça os sentidos e deixa a alma estirada num curtume das almas esperando que alguém venha levá-la embora.
Tem vezes em que a solidão se entope de espinhos só pra ficar atazanando meus passos, feito ratazana prenha fugindo da ratoeira.
Solidão descortina cada fiapo dos meus sonhos, desarrumando a casa e deixando a vida tremendo de angústia, da mais infame angústia.
Daí alforrio minhas amarras, escorrendo os folhetins tardios que fazem cada vértebra remoçar.
Solidão carrasca as membranas dos passos, deixando-os bambos e pouco servis, ásperos e abafados.
Tenho entretido a minha solidão com pedaços generosos do que tenho de mais descamado e isso me faz sentir menos devastado, menos perdido, menos expulso de mim mesmo.
Somos gestados mergulhados no bafo mal traduzido da solidão e quando, a morte nos carrega, também teremos a solidão como cabresto, do qual nunca mais nos livraremos.
Gosto da minha solidão pois ela permite arejar meus cheiros mais grotescos e azedos.
Ela faz com que desnude cada floco de humanidade que ainda restar de mim, como verdadeiro réquiem dilacerado dos meus medos.
Todos nós nos embriagaremos com o suor denso da solidão certo dia,
ficando assim, rendidos e desarmados, até que venham nos resgatar ou, quem sabe, nos virar do avesso só pra deixarmos cair por terra aquelas flâmulas mudas que, molecadamente, conseguirmos ressuscitar.
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