CUIDADO COM A GAIVOTA!

Firmino não frequentou as aulas por mais que 15 dias, nem bem março chegou ao final da primeira quinzena e ele sumiu da escola.

Alguns dias depois soubemos que da vila também, assim como sua mãe e cinco irmãos.

Passados quase cinquenta anos, dificilmente saberemos onde ele foi parar. Morava no limite entre as vilas Santa Luzia e Marítimo, conforme outro colega de escola, a casinha dele era na Marítimo, ao lado de um pequeno charco, que não servia para nada.

As vilas espremiam-se entre as avenidas Bento Gonçalves e Professor Oscar Pereira, uma faixa de terra, de não mais de 150 m de frente, por uns 500 m de lado. Diziam que ali estavam confinadas mais de 25.000 almas. Havia rivalidade entre muitos habitantes das duas vilas, coisas comuns nos relacionamentos urbanos.

Parece-me que o limite era uma linha imaginária entre a encosta (Santa Luzia) e o plano (Marítimo).

Vovó saia da São Manoel e ia à costureira, que morava numa das primeiras ruelas da Marítimo, acompanhando-a fui lá três vezes, mas sem adentrar até o limite entre as duas vilas. Pelo menos uma vez, cruzei as duas, desde a Oscar Pereira e a Bento Gonçalves, isto foi em 1970.

Como qualquer outra vila, as duas abrigavam gente de bem e criminosos.

A tal rivalidade perseguia o Firmino até a escola, então numa daquelas discussões bestas, um colega que vinha da encosta, disse-lhe que iria devolver-lhe as gaivotas, sem mandar aviso, pois um dia Firmino quase o havia acertado. Escapara pelo grito de:

- Olha a gaivota!

Aquela conversa seria gíria entre eles, alguma armação para cima de nós?

Pouco depois alguém descobriu do que se tratava, ou seja, com três ou quatro folhas de jornal, Firmino inventou o penico descartável e foi além, pois além de descartável era voador, dai o apelido de gaivota. Depois que escurecia, ao invés de irem na casinha, lançavam mão das gaivotas, que depois de empacotadas eram arremessadas pela janelas, direto ao charco.

Esta prática seria uma boa, se empregada nestes comícios políticos, onde os candidatos enchem nossos ouvidos de mentiras.

Que bom seria, que trocassem ovos e tomates podres, pelas gaivotas de Firmino.

Do livro: Abrindo gavetas da Memoria - 2017 - 2018

Oitava Crônica

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 27/01/2018
Reeditado em 27/01/2018
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