Vivemos um festival diário de tragédias. Quem quiser saber um tantinho delas basta ver a TV, folhear um jornal, passear pelos sites especializados, ligar o rádio, ou mesmo trocar um dedinho de prosa com a vizinhança. É tanta coisa ruim acontecendo que chega-se a pensar que as boas fizeram as malas e foram passar uma temporada no Caribe.
A impressão é a de que, de tanto conviver com as loucuras deste mundo, vai-se ficando imune. Um baita susto na hora, mas logo se acostuma. Ideal seria que tragédias não existissem, porém se são inevitáveis, pelo menos não deveriam ter esse teor corriqueiro tão usual em nossos dias. Bem disse minha xará Marina — a Colasanti, num texto que gosto muito “Eu sei, mas não devia” (1972), sobre as coisas perniciosas às quais vamos nos acostumando sem nos darmos conta. Dói saber que nos acostumamos também às tragédias humanas de todos os dias, esquecendo-as tão logo saiam de cena.
Talvez as tragédias sejam assim tão facilmente nocauteadas, exatamente pela velocidade com que outras vêm chegando, disputando sua mísera nota naquele jornal, que no momento seguinte embrulhará algum sapato velho, ou servirá de forro de chão para algum pintor de parede. Os dramas humanos não são diferentes entre si, em dimensão e significado — são os dramas de todos nós, de cada um, e não se categorizam em tamanhos pequeno, médio e grande. Pelo contrário, independente do que representam para os espectadores, possuem tamanho único na versão plus size dentro da dor com que são vividos.
Visto de fora, o trágico reflete o cerne do egoísmo que habita nosso lado mais oculto. Afinal, como seria terrível estar no lugar daquela mãe que perdeu o filho no acidente provocado por um bêbado. Como doeria estar na pele daquele pai que recolhe do chão o filho ainda bebê, vitimado por uma bala perdida. Como seria insuportável a dor da esposa que vê o marido assassinado na porta de casa, por um bandido que levou o carro. Inconcebível! Inconcebível ter um filho, um pai, uma mãe, uma esposa, um marido, um irmão — um parente querido, um amigo qualquer — no interior da aeronave que caiu numa mata fechada; que não conseguiu sair da creche que pegou fogo, ou não escapou ao desabamento da casa tomada pela enchente.
Não raro, ouvimos alguns depoentes, após um acidente: Estou bem, Deus existe! — com o semelhante, no entanto, Deus talvez não tenha sido tão complacente — saí ileso, estou vivo! Há também quem agradeça por não ter subido naquele barco que sumiu no meio do mar. Ah, milagres existem! Ou não? Sim! Um compromisso de última hora me impediu de ir, vejam só! Coisas do ser humano, com suas falhas e fraquezas, trazendo em si a desumana facilidade para esquecer tudo muito depressa e já estar atento ao que vem em seguida.
Ontem, li sobre Michelle Ramos, esposa de Wallace Araújo — a grávida baleada durante uma tentativa de assalto, em Belford Roxo, no Rio. As notícias dizem que ela e o filho Antônio Esdras — induzido a nascer de parto prematuro — se recuperam bem. Esta sim, é uma excelente notícia! Pena que ao retornar para casa esta família, se apagarão também os holofotes, pois o ibope já terá se esgotado.
No caso da citada família, a tendência é de que tudo volte ao normal, caia no esquecimento coletivo, da mesma forma que cairia se o desfecho fosse outro. Wallace, Michelle e Antônio Esdras, seguirão com sua história de horror, mas quem terá interesse em ouvi-la num futuro muito próximo? E o que será feito para que outras iguais não aconteçam? E o que será feito para punir eventuais culpados? A gigantesca tragédia do casal Ramos e Araújo será só mais uma entre centenas e, certamente, a plateia e as grandes mídias estarão se ocupando de tantas outras mais emergentes. E tome tragédias nesta nossa terra sem lei!