QUEM ERA O GANIMEDES?
Meu amigo Sebastião me bateu à porta cedo, deprimido como nunca o havia visto.
– Que é isto, Tião? Que tristeza é essa?
Ele fez força para desprender a voz e soprou:
– Sabe quem morreu? O Ganimedes!
Ganimedes...Ganimedes...passei a limpo a memória, mas não pude me lembrar de alguém com esse nome. Não seria o Arquimedes? Ou o Cagliostro da dona Edmunda? Por via de dúvidas, adotei uma expressão de tristeza, não ficava bem decepcionar o Tião.
– Logo o Ganimedes - falei desolado. Tanta gente neste mundo pedindo pra morrer, tanto filho da mãe que não faz falta, e logo o Ganimedes...
– Pois é – rebateu o Tião – o Ganimedes não merecia isso.
Chegou-se então a mim com jeito preocupado, falando baixinho:
– Rapaz, como é que vamos dar a notícia à tia Lina? (tia Lina não era verdadeiramente tia de ninguém, mas havíamos nos acostumado a chamá-la assim). Ela sempre gostou muito do Ganimedes.
– Quem não gostava dele? - exclamei. Um amigão!
E fomos, consternados, dar a notícia à tia Lina. Quem sabe assim poderia obter mais informações a respeito do tal Ganimedes. Já me sentia sem graça, queimando incenso para um defunto desconhecido.
No caminho, o Tião me abraçava solícito, silenciando por longos momentos: respeitava a minha dor. E eu ali martelando a memória: Ganimedes...será que estava ficando com amnésia? Como não conseguia me lembrar dele, um amigo tão íntimo, segundo o Tião? Minha salvação era tia Lina; somente ela poderia refrescar-me a memória. Então sim, verteria lágrimas verdadeiras pelo amigão Ganimedes.
Na porta da casa, Tião me empurrou na frente:
– Conte você a ela. Eu não tenho coragem.
Sem jeito, parei na frente da velha que bordava um diminuto casaco em sua poltrona preferida:
– Tia, tenho uma notícia ruim...
A velha se empertigou na poltrona, o olhar surpreso. Aproveitei para entrar de macio:
– O Ganimedes, tia. Deus levou.
Tia Lina parece que diminuiu de tamanho dentro da poltrona:
– O Ga...Ganimedes?
Sim, tia – e abracei-a consolando sua enorme dor. A vida é assim mesmo, tia. Vai chegar também a nossa vez.
A velha emergiu quase sufocada do abraço solidário que eu lhe aplicara e perguntou-me:
– Mas quem é o Ganimedes?
– A senhora não se lembra do Ganimedes? Aquele nosso amigão!
Tia Lina conhecia o Ganimedes tanto quanto eu. Aí me veio uma idéia para tirar a limpo o assunto. Chamei o Tião, que se conservara respeitosamente à distância:
– Tião, tia Lina ficou tão transtornada com a notícia que até lhe deu um “branco”. Não está conseguindo atinar quem seja o Ganimedes. Explique a ela, por favor.
– O Ganimedes, tia Lina. O Gaveta.
Por pouco não perdi o último adeus ao amigo. Mas, também, por que o Tião não disse logo que o diabo do Ganimedes era o Gaveta?