A roça de Arroz
Era época do plantio de arroz de brejo, então eu, meu pai, o João Vila Nova (in memorian) e o Carijó (in memorian), íamos à cavalo, da Sede da Fazenda Serra dos Correias, até o Retiro da Fazenda, onde plantávamos o arroz.
Foi na década de 70, quando meu pai, era gerente da Fazenda do meu avô, Joaquim Teodoro de Resende (in memorian).
Fazíamos a limpeza do brejo e depois, levávamos as sementes, plantávamos e aguardávamos alguns dias, para a capina do mato no arroz. Quando o arroz granava (madurava), aí o serviço era comigo, pois os pássaros pretos, maritacas e perequitos, atacavam a roça para se alimentarem. Então, eu levava uma lata, um estilingue e um copinho com visgo de leite de figueira, para tentar impedir os invasores.
Era muito difícil, para um garoto de 10 anos de idade, pois quando eu entrava no brejo, no meio do arrozal, eu molhava toda a roupa, no orvalho. Isso, por que os pés de arroz, eram mais altos que eu. Ainda, afundava os pés no barro do brejo, se arriscando, a pisar em cobras peçonhentas.
Eu ia sozinho, todos os dias, inclusive aos domingos, durante uns vinte dias seguidos, para vigiar a roça.
Eu saía à cavalo, de madrugada, com meu almoço, num caldeirão, para chegar na roça, antes dos passarinhos acordarem.
Meu café da manhã, era arroz maduro, colhido alí mesmo e meu almoço era arroz cozido, com feijão e carne.
Eu batia lata, mas só espantava os pássaros pretos, pois as maritacas eram meio surdas e nem saiam da roça.
Então, eu pegava o estilingue e atirava pedra nelas. E quando esses dois métodos não resolviam, eu colocava visgo no arame ou em um galho de árvore, onde elas posavam, à beira da roça. Aí, elas cortavam um cacho inteiro de arroz, levava no bico e quando pousava nas árvores,com os pés no visgo, ficavam presas ali. Então, eu ia até o local e pegava elas, ainda vivas, tendo o cuidado de não levar uma bicada. Enchia a capanga de maritacas e outros pássaros e levava para os gatos da Fazenda, se divertirem.
Cada passarinho que eu matava, com o estilingue, fazia um pique na forquilha. Eu tinha várias forquilhas, feitas de galhos de goiabeiras, cheias de piques.
Certo dia, fiquei feliz, pois a mulher do peão do Retiro, mandou sua filha, levar um almoço quentinho para mim.
A menina, tinha a minha idade e chegou num vestidinho, todo amarelo, como os cachos de arroz. Eu gostava dela, mas ela era arisca, como passarinho. Eu também, era um pouco tímido. Só dois anos depois, consegui beijá-la, no escuro da nossa sala. Estava, eu, minha irmã de 14 anos e ela, com 12 anos, conversando à luz de lamparina. Daí, por sacanagem, soprei e apaguei a luz do pavio e beijei a menina na boca. Ela não gostou e me deu um tapa na cara...
Durante a colheita, fazíamos mutirão e todos os homens e meninos, trabalhavam, alguns com cutelos na mão, para cortar a moita (pés) de arroz e outros que juntavam o arroz, para bater os feixes na banca de madeira.
O arroz, caia numa lona de pano e a gente ensacava, em sacas de linho, costurando a boca, com agulha e linha.
Guardava o arroz, em um ranchinho de folhas de baguaçu (babaçu), que a gente fazia, do lado da roça e depois de uns dias, levávamos todo o arroz, no Carro de bois, até a sede da Fazenda.
PS- Meu pai era o Carreiro e eu era o seu candieiro.
Saudades...
Significado de algumas palavras e objetos:
brejo - terreno alagadiço ou pântano.
Estilingue-arma de jogar pedras.Capina -limpesa com enxada
Capanga ou emborná-sacola de pano com alças.
Lamparina-feita de latinha com pavil para acender a luz.
Mutirão-reunião de trabalhadores. Cutelo-instrumento de corte, tipo faca.
Candieiro-quem fica na frente da guia de bois e abre as porteiras.