UMA NOITE DE PESADÊLO
Na última sexta-feira, fomos despertados com a campainha tocando à meia-noite. Ficamos muito assustados. Meu marido cautelosamente olhou pela janelinha do portão - ficamos com medo de abrir a porta, é claro - e ouvimos alguém gemendo muito.
O que você faria em um momento desses? Voltaria para a cama e continuaria a dormir? Bem, eu acho que não!
Imediatamente, liguei para a emergência do SAMU. Expliquei a situação. Eles me fizeram várias perguntas, inclusive, quem era a pessoa em questão - até aquele momento ainda não tínhamos tido a coragem de abrir a porta - e informei que eu não sabia quem era. Ele me instruiu a ligar para a polícia, pois segundo o atendente, ele não colocaria sua equipe em situação de risco. Segui as instruções dele, mas o 190 não atendeu, mesmo após várias tentativas.
Meu marido abriu o portão parcialmente, e viu que se tratava de uma vizinha nossa. Ela estava semi-inconsciente e completamente mole. Na testa havia um enorme "galo" que sangrava. Ela sofre de problemas nervosos e toma vários medicamentos para depressão e ansiedade, uma doença que é frequentemente tratada como "frescura" por pessoas ignorantes. Em outras ocasiões, quando ela apresentou quadro semelhante, algumas pessoas me disseram que ela exagerava, que não passava de teatro. Bem, quem sou eu para julgar? Não sou médica para fazer diagnósticos.
Diante do quadro que meu marido presenciou ao abrir o portão, liguei para os bombeiros novamente e expliquei a situação. Ele nos aconselhou a chamar alguém da família dela. Meu marido subiu as escadarias da casa da mulher e fez contato com o filho dela, um rapaz entre dezesseis ou dezenove anos, que tentou acordá-la, mas não conseguiu. Chamei o corpo de bombeiros várias vezes, mas ninguém atendeu. Assim, voltei a chamar o SAMU, explicando a situação. Falei com um médico da emergência que me instruiu a fazer massagens no peito dela, pois desta forma, ela provavelmente acordaria. Não estou apta a prestar primeiros socorros, e não quis fazer o procedimento e piorar a situação, então passei as instruções dele para o filho dela, mas ele não conseguiu acordá-la.
Daí foram várias ligações solicitando ambulância, algumas ligações atendidas, outras não.
Em uma das vezes, voltei a ligar para o SAMU pedindo uma ambulância, mas eles alegaram que todas estavam em serviço no momento e me instruíram a ligar de novo para o Corpo de Bombeiros.
Pedi uma ambulância após explicar novamente do que se tratava, e o atendente me disse que a ambulância deles estava em atendimento e ia demorar cerca de meia hora ou mais, mas me garantiu que iriam. Após uma hora de espera, com a mulher na mesma situação (conseguimos sentá-la em uma cadeira de jardim que levei para a calçada) ela acordou e conseguiu tomar alguns goles de água com açúcar, disse que estava sentindo dores no peito e na cabeça, e ficou inconsciente novamente. Liguei para o SAMU mais uma vez, e eles me disseram que iriam fazer contato com o sargento "X" do corpo de bombeiros e que ele ligaria para mim. Pensei que finalmente obteria algum tipo de ajuda, e suspirei aliviada, mas foi aí que o pesadelo piorou. Deu-se mais ou menos o seguinte diálogo:
- Alô, aqui fala o sargento "X" do Corpo de Bombeiros. Você é a Pâmela do Humberto Rovigati?
-Não, sou a Ana Bailune do Retiro.
(Ele, começando a ironizar:)
-Sei... mas você me ligou ainda há pouco dizendo que era Pâmela do Humberto Rovigati.
-Não liguei não. Sou a Ana do Retiro.
(aos berros:)
-Você está querendo me deixar mal com o pessoal do SAMU? Sabia que eu posso mandar a polícia atrás de você?
-Se o senhor conseguir ligar para eles, pode mandar, pois eu já tentei e não consegui!
-Você me ligou dizendo que era Pâmela do Humberto Rovigati e agora me diz que é Ana do Retiro? Engraçadinha! Sabia que eu estou gravando esta ligação?
-Eu também!(E eu realmente estava gravando).
-Ah, você também? Que gracinha!
-Escute, eu só quero assistência para uma pessoa! Não estou afirmando que alguém do Humberto Rovigati não te ligou, só estou dizendo que não fui eu! Meu nome é Ana Bailune (disse meu endereço) e eu sei onde eu moro!
Eu disse que tinha testemunhas por perto que poderiam comprovar o que eu estava dizendo. Daí ele começou a fazer um monte de perguntas - na voz, o mesmo tom de irritação, ironia e escárnio, e pediu para falar com o filho da mulher. Disse a ele que a ambulância ia demorar. Perguntou a mesma coisa ao garoto várias vezes - eu sei, porque ouvi a gravação depois que ele desligou.
Esperamos até às duas e e pouco da manhã, e a ambulância não veio. A mulher começou a acordar e conseguimos fazê-la levantar-se e voltar para casa apoiada no ombro do filho, sem atendimento. Lembrando que ela ficou naquela situação, podendo morrer, por mais de duas horas. Poderia estar tendo um ataque cardíaco ou um derrame. A concussão na cabeça poderia tê-la matado.
Tentei contato com os bombeiros para cancelar o pedido da ambulância, mesmo sabendo que eles não tinham a menor intenção de enviá-la, mas ninguém atendeu a ligação. Daí liguei para o SAMU e fiz o cancelamento.
Fui para a cama me sentindo fraca, exposta, vulnerável e impotente. O homem que me ameaçou e gritou comigo ao telefone sabe onde moro, meu nome e endereço. Todo o estresse que eu acabara de sofrer veio à tona. Tive uma crise de choro de madrugada, e na manhã seguinte, me levantei péssima para trabalhar, pois mal consegui dormir. Eu precisava fazer alguma coisa.
Fui à página deles no Facebook e deixei um comentário, contando o ocorrido e pedindo que o caso fosse apurado. Eles excluíram o post na mesma hora e me bloquearam.
Recorrer ao Ministério Público? Que chances eu tenho, se vivo em um país como este, onde não existe justiça? A mulher em questão é apenas uma mulher, muito pobre, doente, quase cega. E eu, segundo as estatísticas, também não sou ninguém. Vivo em um mundo no qual a vida e a integridade das pessoas honestas, que pagam seus impostos, não vale merda nenhuma. Somos ignorados, destratados, ironizados e ameaçados por aqueles que deveriam nos proteger e zelar pelo nosso bem-estar - e são pagos para isso.
Isso me faz pensar: da próxima vez, eu acho que vou fingir que não escutei a campainha. Vou virar para o outro lado e tentar dormir, porque toda vez que eu tento ajudar alguém, é isso que acontece. Daí, com toda certeza, alguém vai querer me processar por omissão de socorro.
E é assim que começamos a perder a nossa humanidade. É assim que nos tornamos, cada vez mais, criaturas frias, egoístas, agressivas e sem educação- como o sargento "X".