UM TREM NA MADRUGADA

19 de janeiro de 2014 às 03:05 ·
Madrugada .
Silenciosa, como são tôdas as madrugadas.
Uma lua cheia campeia um céu marejado de estrelas e o jasmineiro, ao lado do portão, escorre odores nostálgicos que vão entrando pela minha janela.
Uma vez mais, um apito de trem soa distante ( lá pelas bandas da Lagoa, presumo ) bolinando minhas lembranças.
Por uma razão que não se explica, sempre que ouço apitos destes comboios da madrugada , vem-me à imaginação aquelas antigas estações de trens.
Aí, entrego-me às divagações e...
Num cenário onde a neblina torna os seres opacos , mergulha uma plataforma.
Em algum lugar (não o visualizo) alguém toca um bandoneon.
Um tango !
Algo de melancólico nos acordes que agasalham-se na serração.
Subitamente surge um casal !
Elegantemente vestidos. O cavalheiro oferece à dama uma rosa vermelha. Esta , então a beija e depois lentamente roça-lhe a nuca em gestos delicados , afetuosos...
A canção toma corpo, agiganta-se e o casal dança com frenesi nas brumas da madrugada.
Não demora e o bandoneon emudece, a música pára.
Os dançarinos evanescem e na plataforma vazia, apenas um senhor esguio, com sobretudo cinza e uma valise às mãos, como que surgindo do nada adentra num dos vagões.
Sua figura carrega algo de sinistro na madrugada fria e nevoenta incensada a odores de Narcisos.
A sineta da estação rompe o silêncio e o trem vai seguindo lentamente.
A solidão dos trilhos corre em paralelo à solidão dos homens e a plataforma vazia, uma vez mais, põe-se à espera de outros trens, outros acordes de bandoneons, outros casais, outros tangos...
Eu aqui, ponho-me à espera de outros apitos dilacerando madrugadas insones .

Joel Gomes Teixeira