ANESTÉSICO

Eu precisei esperar sentada, olhando para as paredes, as horas passarem frente meus olhos sem que pudesse mexer um músculo sequer do meu corpo, ou pelo menos, para ser mais conveniente, poucos deles foram realmente úteis e utilizados nesse tempo. Confesso que passei dias com os olhos fixos em uma parte bem pequena no canto da parede do meu quarto, no qual se encontra descascada e totalmente desprezível no momento, culpa da umidade, diria minha mãe, bom para refletir, eu conclui.

De acordo com minhas contas, foram necessários exatamente trinta e dois dias para que pudesse me reestruturar, amontoar o aglomerado de informações e certezas mal aceitas, para colocar os famosos pingos nos is, as cartas na mesa e o glorioso ponto final na última palavra de um script tão mal escrito, de um roteiro tão mal estruturado.

Como uma digna estudante da área de humanas, prefiro que não leve em consideração as contas que fiz para chegar nesse resultado trinta e dois, eu nem gosto de matemática e muito menos de tudo o que estava sentindo nesse meio tempo, pode ser que tenha exagerado um pouco ou muito bem esquecido de computar o resto. Os dias foram dolorosos, mas anestésicos e insensibilizadores, Zé.

Jurei de pés juntos, com os olhos voltados para o céu, que dias cheios de esperança e calmaria, haviam de chegar, tirar os sapatos, se acomodar no canto mais aconchegante do sofá e ficar. Quem sabe, para uma maior sorte, até pegariam o controle da televisão e tirassem um cochilo longo vendo àquele filme chato das duas horas.

Me agarrar à essa jura foi o que me ajudou a acordar todos os dias de manhã sem querer suplicar e choramingar para ficar mais algumas horas na cama. Abria os olhos e respirava lentamente uma, duas, três vezes. Até administrar coragem suficiente para colocar os pés no chão e falar para mim mesma: “Aguenta essa dor e vá viver!”.

E eu vivi.

Com lágrimas entaladas na garganta.

Com gritos que persistiam em derramar pelos olhos.

De pé em pé. De respiração em respiração. Eu sobrevivi, Zé. E acredito que continuarei nesse remar, nesses passos sorrateiros, sentindo a brisa leve esvoaçar estes cabelos castanhos até que me provem o contrário de que: Dar tempo ao tempo sempre será a melhor escolha, sem olhar as horas, sem espiar o calendário. Deixar que ele reajuste o clima e estabilize a sensação. Uma pausa no interno para poder apreciar o externo.

Ana Thomazini
Enviado por Ana Thomazini em 19/01/2018
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