As sandálias

Abrindo o meu armário meus olhos se voltaram para uma prateleira lotada de sandálias.Comecei a despencar uma por uma:encontrei sandálias de tantas maneiras diferentes,muitas até esquecidas no cantinho,mas cada uma tinha uma história,cada uma pisara em lugares inesquecíveis ou até mesmo tão básicos na vida cotidiana.Era sandália de florzinhas,de lacinhos,de fivelas de tantas cores,de cordinhas na perna,de saltinho e de saltões,aquelas das festas,das luzes e das danças,as que sustentaram tantas caminhadas,até mesmo as que usei durante minha primeira gravidez. Olhando mais atrás encontro a sandália do meu casamento.

Ah,meu Deus,por que guardo todas essas sandálias?

Penso o que vou fazer.Talvez doá-las para quem precise de uma sandália guardada sem uso.Mas a cada vez que eu revirava aquele monte de sandálias ali quietinhas,meu coração pulava de alegrias ou tristezas com a história que cada uma delas carregava,essa história fazia parte de mim.Porém ao mesmo tempo uma voz inquietava-me:

-Por que guardar isso tudo se há tantos pés descalços?

E volto a pensar no destino delas.E recomeço a separar cada par,pensando em quem ficaria melhor.Escondo uma preferida e falo para eu mesma,esta não,eu adoro ela.E a mesma voz volta a me dizer:

-Ó alma pequena,mão de vaca,egoísta,essa sandália não é mais usada por você,são anos que se passaram e ela está perdendo o seu brilho.

Continuo num duelo de sentimentos bestas e vou amarrando as sandálias de couro, as sandálias de raça, aquelas de plástico mesmo,as bordadas,as cheias de pedrinhas ,aquelas tão coloridas,outras nudes, mas cada uma teve presença no palco da minha vida e participou de cada cena,carregando os meus segredos,as minhas angústias,os meus medos,as minhas aventuras,os meus sucessos e, principalmente,

os meus sonhos.

Nunca pensei que as minhas sandálias pudessem mexer tanto comigo.E tomei uma decisão,uma atitude coerente,uma ação imediata.

Briguei com as vozes,abri o meu coração e num instante todas estavam

embaladas para outro destino,para outros pés,para outras histórias.

Peguei as sacolas e sem lamentos e saudosismos me livrei daquela prisão material.Senti no peito uma leveza,na alma uma renovação,no corpo uma liberdade e lá se foram as minhas sandálias.

Um dia desses estando em um lugar encontrei-me com uma delas,justo a que eu mais gostava,calçava os pés de uma senhora e quando nos olhamos,senti sua voz me dizendo que estava muito melhor

que antes,dentro daquele armário.E numa manhã chuvosa,vou abrir o portão da minha casa e a pessoa que passava pisava firme e feliz com uma delas.Cumprimentou-me radiante e foi seguindo e eu mais feliz ainda com os olhos acenei para a sandália,tão colorida,que era inconfundível,com as fivelinhas amassadas.

Às vezes,nos tornamos tão mesquinhos e acumulamos tantas coisas que não usamos, mas pode ser o que falta para o outro.

Tenho aberto o meu armário muitas vezes e dele tem saído não só sandálias. A vida é uma lição cotidiana,basta perceber o que nós,muitas vezes,escondemos de nós mesmos,sendo egoístas,enchendo nossas prateleiras e fechando o nosso armário.

Mariluz
Enviado por Mariluz em 18/01/2018
Reeditado em 18/01/2018
Código do texto: T6229765
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