O Cobrador de Impostos



“Jesus respondeu-lhe: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso.

Evangelho de São Lucas 23:43”

 

 

            Devo confessar: sou um cobrador de impostos. Antes que me atirem pedras, ou que me entreguem à justiça do criador, clamo pela vossa atenção. Não é uma profissão que se escolhe voluntariamente. Qual a criança que você já ouviu declarar que quer ser “cobrador de impostos” quando crescer, ao responder à clássica pergunta?

            Talvez um filho ou outro de fiscal, mas somente em idade mais madura, quando começam a perceber os benefícios e a estabilidade que traz a profissão.

            A vida não me preparou para ser cobrador de impostos. Doutrinado desde a tenra idade, no alvorecer dos ideais, em colégio católico, via e estudava o terrível impacto que os impostos traziam ao povo judeu. Embora o próprio Cristo os tivesse como seguidores, ao lado de prostitutas, pescadores e outros do gênero. Cobrador é um nome pesado, soa a algo do qual não se consegue escapar, sendo apenas superado em terror pela própria morte.

            Os americanos adoram a frase: “não se pode escapar da morte e dos impostos”. Até mesmo um filme, estrelado pelo Brad Pitt, intitulado Encontro Marcado (nada a ver com Fernando Sabino), ilustra o terror que as duas figuras causam na Psique Coletiva. O galã é a própria morte que, mata o Brad Pitt e toma-lhe o corpo – as mulheres entraram em pânico. Depois, no fim da trama, a morte passa por cobrador de impostos – macabro e irônico; creio que o produtor do filme devia ao leão.

            Já testemunhei tentativas terríveis a retratar a categoria, da qual, compulsoriamente, premido pela necessidade de sobrevivência, tenho o prazer de participar. No entanto, uma das mais surpreendentes assisti ao lado de minha filha, quando víamos um “inocente” desenho da Disney. Era o Robin Hood. Adivinha como o cobrador de impostos foi representado? Através de uma serpente, meu caro e amigo leitor. Uma víbora, irritante, que ficava colocando aquela língua para fora e que dormia aos pés do rei.

            Assisti ao mesmo desenho quando criança, inclusive colecionei o álbum de figurinhas, mas não me lembrava da representação. Na época sonhava em ser jogador da seleção brasileira, piloto de fórmula 1, galã de novela e etc. Iria eu querer ser cobrador de impostos? Nunca.

            Se entrasse em uma máquina do tempo, que me mostrasse o futuro que vivo hoje, considerá-lo-ia perfeito, desde que não soubesse a profissão.

            Sou daqueles 100% corretos. Já vejo o olhar cínico do leitor: correto? Sim, sou íntegro, intransigente no cumprimento da lei e absolutamente técnico. Está na lei eu cobro, não está não cobro. Vejam a enorme confusão que isso provoca na cabeça das pessoas: “Não é possível ser correto no Brasil de hoje, ainda mais um cobrador de impostos” – é o que reza a ideologia popular.

            Pois, nesse momento, eu defendo a minha categoria. Não é na ponta de baixo que está o problema – com exceção de um ou outro que “enlouquece”. Somos concursados, treinados e preparados para agir em nome do governo e dormimos aos pés do rei.

            Sinto que a sociedade retrate tão mal nossa categoria. Mas, fazer o quê? Continuarei agindo integralmente em defesa da saúde fiscal do governo que represento. Não tenho culpa de ser competente no que faço. Devo, e tenho que cumprir a lei. Se, na outra ponta, o dinheiro que arrecado não é bem usado, o problema é de todos nós, que precisamos passar a escolher melhor os governantes e dotar os estado de instrumentos que punam com eficácia e velocidade os usurpadores das finanças públicas.

            Não se iluda leitor. Não há um país, um governo, em que você possa viver, e ser feliz, e gozar dos benefícios de uma sociedade democrática, sem a repartição das despesas, cujo ingresso devam visar ao bem-estar de todos.

            Já estou preparado para ao fim da existência, quando se apagarem as luzes, ver uma grande porta aberta e uma entidade luminosa me chamando:

            - Entre! Vá receber as contribuições no guichê 12 – e quem disse que no paraíso tudo é uma maravilha?