Pai na Zona
Os tempos eram outros e ir à zona era coisa de maior de 18 anos – e olhe lá! Certo é que, justamente porque os tempos eram outros, alguns adultos transgrediam e levavam filhos, sobrinhos, netos e outros para conhecer o teto de zinco quente. Queriam desmamar o quanto mais cedo os bezerrinhos para apressar a biografia de um macho. Havia uma concordância tácita por parte das mães, o que alimentava ainda mais o machismo reinante. No fundo, elas se gabavam de seus varões e iriam ensandecer as noras no futuro.
Hoje, tentando trocar dinheiro para pagar a quentinha, pleno meio-dia, tive que rodar por vários negócios no micro centro de Ciudad del Este. Uma dona de ótica, ao sentir muito por não poder me ajudar – e parecia sincera – perguntou-me por que não ia ao cassino, era só virar a esquina, ou ao vendeirinho de frutas, bem ali em frente. Por certo eles me ajudariam. A dupla menção, para um mesmo fim, de negócios tão diferentes me assustou um pouco. De repente me vi nos tempos de Getúlio, da caça aos comunistas, de Dutra, quando se proibiram os cassinos, nos tempos de Jânio onde até concurso de Miss Brasil e brigas de galo caíram no mesmo cesto puritano daquele governo provisório e catastrófico. Nesse contexto de proibido e marginal, me imaginei no mundo dos jogadores de baralho, dos que vivem de sinuca, do jogo do bicho e da própria prostituição. Naquele momento eu era o reflexo de muitos anos de repressão e preconceitos.
Bom, entre o vendeirinho da barraca de frutas, onde compro bananas nanicas quase todo santo dia, e o cassino, preferi ir ao cassino. O vendeirinho, com certeza, ia ter muito dinheiro trocado, mas talvez não fosse o bastante e o meu lado socialista podia irromper de novo por ali mesmo, solidarizando-me com aquele ser explorado pelo imperialismo ianque. E essas recordações poderiam atravancar-me o dia, bombardeando-me com teorias insustentáveis na prática.
Entrei no cassino e a sensação do proibido materializou-se em tudo: pelo barulho das máquinas de caça-níqueis, incrivelmente já ocupadas com alguns jogadores; as moças de lábios carmim com as pochetes na cintura, cheias de dinheiro e luzes vermelhas num salão a “media luz”, enquanto lá fora o sol queimava com borra. Troquei logo o dinheiro com uma das moças e rodei um pouco por ali para espantar o temor desse ambiente e, se viesse a polícia de costumes, eu ia dizer que não sou nenhum vagabundo (vadiagem ainda é crime – vadiagem, repito, não alternem vogais, por favor) e que estava ali por acaso. Mas a polícia não viria, o cassino aqui é legal.
Daí, dei um pulo ao final da década de 60 em Pitangui. A zona era chamada de Bacolelê e o centro desse feudo do pecado era o Bar Alasca. Até hoje o nome Alasca me causa receio, porque era o lugar proibido da cidade. Ali vendiam picolé, mas imagino quem poderia comprar um picolé resfriado num lugar tão impuro!
Um amigo me contou que, já com seus 16 anos e muito hormônio, foi passear à tarde na região e entrou no Bar Alasca. Disse que as moças ainda estavam limpinhas e, quem sabe, poderiam se enamorar dele, alto, cabelo liso e olhos verdes. E de graça. No entanto, seus devaneios terminaram abruptamente: no bar ainda vazio, um senhor trepado numa escada consertava a instalação elétrica ou quiçá trocava uma lâmpada, foi difícil saber. O candidato a gigolô se assustou quando viu que o senhor que trepava e consertava era seu amado e bondoso pai, competente e requisitado eletricista da cidade. Deu-lhe uma pressa enorme de deitar o capim, ou seja, sair vazando como se diz hoje lá por Pitangui e adiou sua iniciação venérea por alguns anos, para concretizá-la, já “de maior”, na Guaicurus, em pleno território de Hilda Furacão.