NINA, SUA DANADINHA!

Transitar sobre os telhados até alcançar a vista do quintal é uma prática diária que ela ama. Faz isso no início da noite, voltando pra casa algum tempo depois. Ouço suas passadinhas nas telhas e me posiciono para fechar a porta tão logo entre. Ela em casa, o mundo pode desabar, mas se estiver na rua, qualquer ruído, por menor que seja, me assusta.

Nina é tão inocente! Explico a ela que não deve passar para o quintal vizinho, mas ela parece não me entender. Digo pra não arengar com as três cadelinhas endemoniadas que vivem ali, porque já presenciamos a ira delas investindo contra a vida de outros felinos e, além disso, o mais grave, é que foram essas criaturas terríveis as responsáveis pelo fim da Temer, a gata mãe, que acabou não resistindo ao ataque.

Mas Nina tem um pouco de teimosia. E é atrevida que só ela! Não sei o que se passa em sua cabecinha quando me encara e mia, como se estivesse confirmando “entendi, mamãe”. Basta eu virar as costas e ela ganha o mundo.

Quando não retorna da voltinha noturna antes de eu dormir, sofro de forma exagerada. Graças ao meu constante estado de ansiedade, fico imaginando horrores. E penso no risco de ela cair nas garras das cadelas. Sou extremamente apegada à minha bichinha e por ela sinto muito amor. Um amor que tenho orgulho de sentir.

Ontem, deu a hora de eu me deitar e Nina não havia voltado pra casa. Eram quase onze da noite, quando fechei a porta (contra a minha vontade), porque precisava me recolher e descansar do fim de semana animado que tive. “Dormi” aquele sono perturbado, com direito a pesadelo e tudo.

Por mais de uma vez tive a impressão de ouvir pequenos passos no telhado e a expectativa de Nina estar voltando me fazia sentar na cama e esperar o barulho do portão quando ela atravessasse a grade pra eu ir abrir a porta. A outra esperança é que me chamasse na janela do meu quarto, como fez certa vez, às cinco da manhã, depois de uma noite de farra por aí.

Mas Nina não chegava. Entre um cochilo e outro eu ficava imaginando se estaria bem, onde poderia estar... e se chovesse, meu Deus? Rezei pela sua proteção, roguei a Deus que estivesse tudo bem com ela, afinal ela é criação Dele, assim como eu.

Chegada a madrugada eu não sabia o que fazer, naquela angústia, preocupada. Até que por volta das três da manhã ouvi sons que me pareciam de gatos. Não dava pra identificar se era Nina, mas já era um sinal. Levantei depressa e corri para colocar meus óculos. Desliguei o ventilador buscando o máximo de silêncio possível, acendi a luz do banheiro e me sentei na cama para tentar ouvir melhor os ruídos. Não ouvindo mais qualquer som, decidi abrir a porta e chegar até o primeiro portão. Mas nada além do silêncio havia ali. Voltei pra cama.

Outro cochilo e um novo susto. Dessa vez era ela! Ainda deitada fiquei atenta aos miados e sim, era ela! Inicialmente parecia vir de longe aquele pedido de socorro. Mas depois percebi que estava próxima, mas o miado era cansado, angustiado, mas parecia um lamento. Ela estava chorando e isso me partiu o coração.

Chamei por seu nome na ilusão de que pudesse me ouvir, já que os gatos, assim como os cães, ouvem mais e melhor que os humanos, mas acho que não funcionou. Levantei novamente e fui até o portão. Na verdade eu queria sair, andar um pouco, procurar minha gata, mas o deserto da rua e o medo me impediram de seguir adiante.

Se aquele som era choro, Nina estaria em apuros, precisando de mim. O nervosismo foi aumentando, eu estava com dó, imaginando o que poderia ter acontecido, até que me veio a percepção de que o som vinha da casa ao lado, vazia, esperando para ser alugada.

Mas o que Nina estaria fazendo ali? Como conseguiu ficar presa? Pensei que talvez alguém tivesse aberto a casa para visita de algum interessado no imóvel, e Nina teria entrado sem ser vista e ao final, quando da saída dos visitantes, teria ficado trancada. Estaria com sede, com fome e assustada, claro, pois come de instante em instante!

Faltavam poucos minutos para as quatro da manhã, mas eu não podia fazer nada além de esperar pelo menos mais uma hora para chamar meu pai e pedir a ele as chaves da casa para libertar meu bichinho. Dali a pouco ela parou de chorar e eu consegui cochilar.

Ao despertar, tomei meu banho, me vesti e fui verificar se realmente era Nina presa na casa. Cheguei próximo ao portão e chamei:

- Nina, você taí, mamãe?

A danadinha miou tão forte, tão alto, tão desesperada!

Falei novamente e ela miou ainda mais. Então fui acordar meu pai pra pegar com ele as chaves, não restava mais dúvida. Voltei rapidamente e enquanto abria os cadeados dos dois portões eu ia falava com a Nina e ela respondendo o tempo todo. Ao abrir a porta, apenas encostada, ela estava lá, à espera da salvação, muito assustada.

Ficamos felizes. Era acabada a agonia! Levei-a para casa no colo, conversando com ela, tentando entender o que havia acontecido. Passamos uma noite horrível, separadas por paredes. E, claro, tive que trocar de roupa antes de sair para o trabalho.

***

Finalmente o que aconteceu foi o seguinte: a porta tem dois tipos de maçaneta (gambiarra pura): a de fora “alavanca” e a de dentro “bola” ou “globo”. Como não estava trancada, Nina a abriu (ela salta e com as patas dianteiras faz força e move a alavanca para baixo abrindo, assim, a porta), depois bateu, fechando-a, e como a maçaneta de dentro é redondinha não teve mais como abrir para sair.

Maria Celça
Enviado por Maria Celça em 15/01/2018
Código do texto: T6226903
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