A SARAMAGO E CONY
A LUCIDEZ DE SARAMAGO
[Pensando em Carlos Heitor Cony,
tantas vezes atacado pela direita e pela esquerda]
Nelson Marzullo Tangerini
Em 2003, três jovens balseiros, Enrique Copello Castillo, Barbaro Leodán Sevilla García e Jorge Luís Martinez Isaac, tentam fugir de Cuba para Miami, através do Mar do Caribe, repleto de tubarões, em uma balsa, levando, com eles, 50 dissidentes cubanos.
Foram presos em alto mar, trazidos de volta para a ilha e condenados à morte pelo impiedoso ditador Fidel Castro. Facto que a esquerda se esqueceu ou não quer se lembrar.
Intelectuais do mundo inteiro pediram pela libertação dos três balseiros, com exceção de alguns intelectuais brasileiros de esquerda.
Pouco tempo depois, nos EUA, Mumia Abu Jamal seria preso e condenado à morte por ter matado um policial que havia matado seu irmão.
Um grupo de intelectuais brasileiros de esquerda [não vou citar seus nomes], que se omitiram no episódio dos balseiros, saiu em defesa de Mumia Abu Jamal, demonstrando ser contra a pena de morte nos EUA e ganhando boa visibilidade na mídia.
Diante da total falta de lógica da alienada esquerda brasileira, escrevi uma carta para Veja, carta que foi publicada pela revista.
Embora não me lembre, no momento, em que número, mês e data foi publicada, lembro, ainda, de seu conteúdo: perguntava por que aqueles intelectuais midiáticos se omitiram no episódio dos três barqueiros? E por que viajaram para Cuba, logo após o ocorrido.
Além de mim, outras pessoas também cobraram uma posição desses intelectuais. Um deles, cantor e compositor, declarou que não queria intervir em assuntos cubanos, que cabia ao povo cubano decidir o caso.
Gabriel García Marquez e José Saramago romperam com Cuba. García Marquez voltou para os braços calientes de Fidel, enquanto Saramago, um seguro comunista, se manteve firme em sua posição. Demonstrou-se contrário à pena de morte e “abandonou o barco”.
A desequilibrada imprensa de esquerda, pendurada nas bancas de nossas cidades, saía em defesa do comunismo autoritário, insultando Saramago de todas as formas e chamando-o de vendido ao capitalismo e de traidor. Enfim, o velho e ultrapassado jargão que a esquerda vomita contra aqueles que não se sujeitam à idolatria.
O velho e saudoso escritor Edgar Rodrigues, um intelectual anarquista também contrário à pena de morte, deixava bem claro em suas crônicas e em seus livros que um ser humano valia um ser humano.
O socialista libertário deve ser, portanto, contrário ao capitalismo; da mesma forma, ser contrário ao autoritarismo, à idolatria e à pena de morte.
A opinião deste escritor, referente a Cuba, à China, à Venezuela, ao Irã, deve ser respeitada.
Citei o Irã, porque fui atacado, pelo Face, por um jornalista que se diz de esquerda, por causa de minhas posições. Ele, que me chamou de direita, na rede social, tirou fotos abraçando ou apertando a mão de Ahmadinejad, aquele ditadorzinho grosseiro do Irã que saiu por aí dizendo que o Holocausto judeu nunca havia existido. As fotos foram postadas no Face. Para este imbecil, que faz discursos antissemitas, o mais importante era o iraniano estar contra os EUA; não havendo importância se cristãos e gays são presos e condenados à morte e se mulheres são tratadas como seres de 5ª categoria.
O socialismo libertário deve libertar o homem de dogmas e da escravização arquitetada pelo capitalismo, e não aprisioná-lo.
Joseph Pierre Proudhon deixou-nos uma obra valiosa e importantíssima. Alertava o escritor francês que “Aquele que quiser pôr as mãos sobre mim para me governar, eu o considero um tirano e, portanto, meu inimigo”.
Lutemos, pois, contra a ganância dos capitalistas, contra as desigualdades sociais, mas sejamos humanos, respeitando as individualidades. Temos o direito de pensar e idealizar um novo socialismo - mais humano, sem prisões de dissidentes, sem tortura, sem pena de morte, até que a abjeta brutalidade seja banida do planeta.