A Décima Ilha
Somos uma ilha.
Como slogan, terra de sol e mar ou ilha da magia, criado para vender a imagem das belezas naturais, do povo hospitaleiro cheio de histórias e crendices populares, resultado da miscigenação de povos, principalmente indígenas e açorianos.
Nunca fui aos Açores, mas sabemos que são um arquipélago que pertencia a Portugal quando a nossa, aqui no sul do Brasil, a apenas 500 metros da costa, foi colonizada. Portanto, ilhas, habitadas por gente acostumada às iguarias ofertadas pelo mar e a desastres naturais também. Na verdade lá são nove ilhas situadas no nordeste do Atlântico e somos tão açorianos que dizem eles que nos consideram a décima.
Esta eu conheço desde sempre, como todos os nativos ou adotados, nutro por ela idolatria profunda.
É só um pedaço de terra rodeado de mar por todos os lados que nem tinha tamanho suficiente para ser capital do Estado de Santa Catarina e por isso tomaram para ela um pedaço do continente para ampliar seu território. E ela cresceu, tomou todos os espaços para os lados e para cima e fizeram uma ponte, duas pontes, três pontes que hoje vivem congestionadas e mal conseguem dar vazão às necessidades do povo.
Povaréu, que foi chegando devagarinho, se instalando, encantados com tantas formosuras, com as facilidades, com a convivência e o acolhimento.
Um dia desses, parada em meio ao trânsito, na fila entre a saída do túnel e a cabeceira da ponte que é o único caminho para sair da ilha, deixei o carro em ponto morto, puxei o freio, sabendo de antemão que era horário crítico, relaxei, me pus a olhar ao redor e me peguei admirando o mar ali ao lado, as árvores, que apesar da terra salgada conseguiram sobreviver e crescer no aterro onde a avenida foi construída. O pôr do sol daquele fim de tarde encheu meu peito de amor. Amei até o engarrafamento onde estava presa. Sem outra alternativa esperei pacientemente para atravessar para o continente.
Depois, contando para uma amiga desse meu enlevo, ela me chamou de louca. Minha amiga e a família dela possuem uma RPPN em outro município, são todos naturebas e muito zen. Ela ficou escandalizada por eu demonstrar clara e abertamente meu amor por aquele “horror” de vida. Apesar de termos pontos de vista diferentes, eu a entendo.
Nossa ilha foi invadida, nosso mar aterrado para dar espaço à construções, para dar abrigo, para dar passagem. Se expandiu, acolheu, abraçou como todo coração de mãe.
Nossa ilha já viu furacão, ciclone, borrascas intensas de marés, tempestades mil. Já teve praias destruídas, barreiras caídas, rios transbordantes e morros deslizantes, mas três dias de chuvas ininterruptas desta vez, e nem foi a primeira, parecia que ia afundar com o peso de suas gentes, dos carros, do asfalto e do cimento. Temos demais aquilo que muitos têm de menos: água.
A ilha inundou, pedras rolaram, barreiras voltaram a cair deixando o tráfego sem condições de escoar-se. A água subiu, os morros deslizaram, crateras se abriram, os esgotos transbordaram, o mar ficou poluído em grau máximo e parou de absorver o excesso das águas. O mangue extravasou e o jacaré saiu para buscar guarida em terra firme.
O pescador saiu do mar com sua canoa flutuando pelas ruas do bairro quase submerso. Vieram outras singrando a correnteza, tendo ao leme aqueles que mais entendem de navegação e que por aqui são numerosos.
Os turistas abundantes superlotaram os shoppings sem ter para onde correr. Carros com seus condutores vararam a madrugada presos nas rodovias sem fluxo, as pessoas não conseguiram chegar ao trabalho nem a lugar algum. Ninguém saía, ninguém entrava no terceiro dia, o caos instalado ampla e irrestritamente, o prefeito declarando estado de emergência.
A ilha parou, chorou e pediu socorro.
O pterodáctilo, acabrunhado, encharcado, enregelado, fechou as asas, se amoitou impotente, percebendo enfim que nada podia contra a inclemência da natureza.
Somos uma ilha.
Como slogan, terra de sol e mar ou ilha da magia, criado para vender a imagem das belezas naturais, do povo hospitaleiro cheio de histórias e crendices populares, resultado da miscigenação de povos, principalmente indígenas e açorianos.
Nunca fui aos Açores, mas sabemos que são um arquipélago que pertencia a Portugal quando a nossa, aqui no sul do Brasil, a apenas 500 metros da costa, foi colonizada. Portanto, ilhas, habitadas por gente acostumada às iguarias ofertadas pelo mar e a desastres naturais também. Na verdade lá são nove ilhas situadas no nordeste do Atlântico e somos tão açorianos que dizem eles que nos consideram a décima.
Esta eu conheço desde sempre, como todos os nativos ou adotados, nutro por ela idolatria profunda.
É só um pedaço de terra rodeado de mar por todos os lados que nem tinha tamanho suficiente para ser capital do Estado de Santa Catarina e por isso tomaram para ela um pedaço do continente para ampliar seu território. E ela cresceu, tomou todos os espaços para os lados e para cima e fizeram uma ponte, duas pontes, três pontes que hoje vivem congestionadas e mal conseguem dar vazão às necessidades do povo.
Povaréu, que foi chegando devagarinho, se instalando, encantados com tantas formosuras, com as facilidades, com a convivência e o acolhimento.
Um dia desses, parada em meio ao trânsito, na fila entre a saída do túnel e a cabeceira da ponte que é o único caminho para sair da ilha, deixei o carro em ponto morto, puxei o freio, sabendo de antemão que era horário crítico, relaxei, me pus a olhar ao redor e me peguei admirando o mar ali ao lado, as árvores, que apesar da terra salgada conseguiram sobreviver e crescer no aterro onde a avenida foi construída. O pôr do sol daquele fim de tarde encheu meu peito de amor. Amei até o engarrafamento onde estava presa. Sem outra alternativa esperei pacientemente para atravessar para o continente.
Depois, contando para uma amiga desse meu enlevo, ela me chamou de louca. Minha amiga e a família dela possuem uma RPPN em outro município, são todos naturebas e muito zen. Ela ficou escandalizada por eu demonstrar clara e abertamente meu amor por aquele “horror” de vida. Apesar de termos pontos de vista diferentes, eu a entendo.
Nossa ilha foi invadida, nosso mar aterrado para dar espaço à construções, para dar abrigo, para dar passagem. Se expandiu, acolheu, abraçou como todo coração de mãe.
Nossa ilha já viu furacão, ciclone, borrascas intensas de marés, tempestades mil. Já teve praias destruídas, barreiras caídas, rios transbordantes e morros deslizantes, mas três dias de chuvas ininterruptas desta vez, e nem foi a primeira, parecia que ia afundar com o peso de suas gentes, dos carros, do asfalto e do cimento. Temos demais aquilo que muitos têm de menos: água.
A ilha inundou, pedras rolaram, barreiras voltaram a cair deixando o tráfego sem condições de escoar-se. A água subiu, os morros deslizaram, crateras se abriram, os esgotos transbordaram, o mar ficou poluído em grau máximo e parou de absorver o excesso das águas. O mangue extravasou e o jacaré saiu para buscar guarida em terra firme.
O pescador saiu do mar com sua canoa flutuando pelas ruas do bairro quase submerso. Vieram outras singrando a correnteza, tendo ao leme aqueles que mais entendem de navegação e que por aqui são numerosos.
Os turistas abundantes superlotaram os shoppings sem ter para onde correr. Carros com seus condutores vararam a madrugada presos nas rodovias sem fluxo, as pessoas não conseguiram chegar ao trabalho nem a lugar algum. Ninguém saía, ninguém entrava no terceiro dia, o caos instalado ampla e irrestritamente, o prefeito declarando estado de emergência.
A ilha parou, chorou e pediu socorro.
O pterodáctilo, acabrunhado, encharcado, enregelado, fechou as asas, se amoitou impotente, percebendo enfim que nada podia contra a inclemência da natureza.