O CONDE QUE TORTURAVA MINHOCAS

Cada um que fique com suas loucuras. Tem gente que só depila metade do sovaco, tem gente que não come nada que comece com a letra C. Tem gente que só escova os dentes vestindo boné, tem gente que não entra em elevador que tenha ascensorista. Tem quem só viaja de avião com a cueca ou calcinha do avesso e tem gente que faz saudação pra chuva em esperanto. E por aí vai. Mas a história do Conde era bem outra. O barato dele era pegar minhocas no quintal da sua estratosférica propriedade no lado noroeste de Bruges, Bélgica, só pra torturá-las por dias e meses a fio. Ver aquelas infelizes criaturas à sua mercê proporcionava um prazer que beirava o delírio. Mas não torturava de modo simples, trivial. Ele ficava matutando pra encontrar formas de deixar as minhocas bem depois do último grau de sofrimento, anotando tudo num sujo diário que escondia embaixo da cama. Ficou noites e noites sem dormir detalhando como poderia fazer para produzir mais sofrimento nelas. Perdeu a conta das coisas que fez naquele porão do castelo que, por séculos, não recebeu a visita de uma vassoura que fosse. Arrancar a cabeça com canivete era rotina, a dificuldade era descobrir o lado da cabeça e do rabo. Colocar em água fervente também já ficou batido demais. Deixar numa caixa de sapatos com um rato há dias sem comer era extasiante. Ver a cena da minhoca sendo devorada em segundos trazia um êxtase indescritível. Foi quando, num belo dia, teve a ideia de assustar as minhocas. A sua cara original já ajudava bem nisso, com aquelas olheiras profundas de sucessivas noites mais dormidas e o cabelo desgrenhado que lhe remetia à figura de cientista louco. Mas ele caprichava mais pra provocar nas minhocas um terror além o normal. Pintava o rosto do jeito que lembrava os aborígenes, carregando nas cores quentes. Completava colocando uma peruca grená, única recordação que ficou da Tia Sofia, morta há mais de duzentos anos. E berrava nos ouvidos (ouvidos???) das minhocas palavras de ordem num alemão com estilo hitleriano, como se tivessem cometido a mais grave das contravenções. Berrava tanto que chegava até a ficar afônico por alguns dias. E fazia gestos teatrais coreografados para agregar à cena mais efeito. Nisso ficava horas. Teve um dia em que um criado sonâmbulo desceu ao porão nas suas andanças sonambulescas e foi acordado pelos gritos dantescos do Conde. Explicar o que estava fazendo lá, e daquele jeito, seria algo além da sua capacidade. Achou melhor acertar uma pedrada fatal na cabeça do criado e jogá-lo no fosso, ideia que teve aprovação unânime dos jacarés. Hoje o Conde está bem velhinho, pouco sai da cama e quase não conversa com ninguém. Tem noites em que solta uns gritos estranhos, do nada, depois retorna para seu sono profundo. Por certo está sonhando com algo referente ao passado, vai saber. Nessas horas o seu rosto já marcado pelas rugas e entradas profundas ameaça dar algo próximo a um sorriso. Sorriso cuja causa ninguém imagina.Nem tampouco as minhocas que agora podem viver em paz no seu quintal.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 12/01/2018
Reeditado em 12/01/2018
Código do texto: T6223874
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