Depois Dos Temporais

Já faz alguns anos quando comecei a notar algumas mudanças no meu comportamento racional, eu que até então era uma pessoa de alto astral e pensamento positivo, já não conseguia me reconhecer, aos poucos minha cabeça foi ficando repleta de preocupações e medos.

Lembro que tudo partiu de um determinado ponto, o ano era 1997, quando passamos por momentos difíceis, primeiro houve um alagamento em nossa antiga residência, poucos dias depois fui ferido na cabeça ao ser assaltado, e a partir daí comecei a sentir-me muito vulnerável. Quando saía de casa sempre desconfiava de pessoas estranhas, quem sabe? Poderia ser um possível criminoso!

Andava pela rua olhando para o céu preocupado com as condições climáticas, mas pensava que estas manias passariam, no caso do assalto realmente o tempo foi dissipando e consegui esquecer, mas depois foram surgindo outras inquietações, como, saúde, segurança, carências e problemas das pessoas que nos cercam, e ainda as pressões no trabalho, assim esta neurose foi crescendo lentamente até transformar-se em uma angustia insuportável.

Em 2003 sofri um grave acidente, nesta noite minha esposa descobriu que meu nome constava como procurado pela justiça, a ambulância que me levou ao HPS foi escoltada por viaturas da brigada militar, e por todos os lugares onde os médicos me levavam um PM acompanhava, devo ressaltar que me encontrava inconsciente devido aos ferimentos, mas algumas horas depois, tudo foi esclarecido, os policiais procuraram minha esposa e desculparam-se pelo mal entendido.

Passei por uma dolorosa recuperação que durou quatorze meses, depois voltei a trabalhar, mas descobri mais tarde que todos os traumas que sofremos podem deixar algum tipo de seqüela, ou talvez piorar as que já temos.

Por seis anos após o ocorrido agüentei minhas psiconeuroses sem procurar ajuda, o sofrimento e a angustia foram aumentando a um ponto quase insustentável, todos os dias chegava ao local de trabalho e me sentia triste, ficava asfixiado e quando estava chovendo nem ao menos eu conseguia me concentrar no que fazia, quando assistia aos boletins meteorológicos, se houvesse previsões de temporais ou chuvas fortes eu passava noites inteiras acordado, levantava varias vezes e ficava olhando para o céu angustiado, em pânico, não foram poucas as ocasiões que meus amigos e até minha esposa zombaram de mim, mas com toda a neuropatia que minha cabeça carregava, o deboche nem chegava a me afetar.

Mal sabiam eles que a coisa era muito pior do que aparentava. Houve muitos momentos em que eu sentia pingos de chuva me tocando a pele, mas não havia sequer uma nuvem no céu, acordava à noite sentindo o rosto molhado, como se estivesse dormindo na chuva, durante uma noite normal de sono, poderia haver um desastre na frente da casa que eu não acordaria, mas se houvesse apenas uma trovoada, mesmo que muito distante, eu já estava de pé em prontidão, com a adrenalina a mil.

Mas também haviam outras neuroses, relacionadas a outros problemas,

sempre que podia evitava passar por barreiras policiais, com medo que houvesse outro mal entendido e eu fosse parar na cadeia. Por algum tempo isso se transformou numa verdadeira fobia.

Assim minha vida foi convertendo-se em amarguras, eu que amava a música e a poesia e havia conquistado vários prêmios como compositor, perdi o interesse por tudo, e compor já não me trazia nenhum prazer, deixei de escrever, e as coisas que eu mais gostava já não tinham importância, acordava pela manhã (quando conseguia dormir), saía para trabalhar, voltava á noite para casa, mas não vivia, apenas cumpria minhas obrigações.

Nas minhas viagens de ida ao trabalho ao passar em frente ao hospital Beneficência Portuguesa, onde estive em tratamento por ocasião do acidente, me ocorriam pensamentos estranhos, no ápice de minha crise, eu cheguei a sentir saudades da época em que fui internado, e desejava estar lá novamente.

Quando lutava contra este sentimento de fracasso, haviam alguns flashes de otimismo, mas estes duravam cada vez menos, até que fui tragado quase que totalmente por esta demência, digo quase, porque restava ainda uma luz, pois eu reconhecia minha debilidade, foi quando decidi procurar ajuda de um profissional da área.

Hoje mais ou menos três meses depois de começar um tratamento psiquiátrico, com medicamentos do gênero “Citalopram e Clonazepam” sinto-me muito bem, consigo trabalhar normalmente, e até me divirto bastante no trabalho, conto piadas, em algumas ocasiões até exagero um pouco nas chacotas, voltei a escrever e me interessar novamente pela música, em casa ando sempre feliz, e às vezes “pego pesado” nas brincadeiras com a Air, minha esposa. Não raramente os amigos interpelam num tom de ironia, “o Elson tá bem louquinho”, isso não me incomoda, importante é sentir-se bem.

Mas ao refletir sobre o assunto, me indago: Onde está a verdadeira razão, pois toda vez que ligo a TV para assistir a algum jornal, eu vejo nas manchetes, vendavais, enchentes, tornados, assaltos, prisões indevidas, mortes no transito e muito mais. Nesta semana, por exemplo, a empresa onde trabalho foi arrombada, mesmo com um moderno sistema de alarme, os delinqüentes tiveram pleno êxito no intento.

Sobram dúvidas em minha cabeça quando vejo que tudo o que me preocupava realmente acontece, e bem próximo de nós, danos e destruição por toda a parte, cidades inteiras inundadas ou destruídas por vendavais gente desabrigada, e até mortos por estes eventos climáticos, a assustadora banalização da violência, além da inabilidade e ineficácia da segurança pública. Vejo que estas coisas não eram apenas frutos do meu desequilíbrio mental, e me pergunto: Onde está a insanidade? Será que na preocupação

com tudo o que realmente ocorre bem na frente do nosso nariz, ou será insano ver tudo isso, achar normal e tocar a vida pra frente bem feliz, como se o mundo e o homem estivessem em perfeita harmonia e equilíbrio?

Seria utópico querer que nossa existência fosse de total harmonia, mas tudo está muito longe disso. Noto que cada vez mais as pessoas precisam tratar-se com estas drogas lícitas para conseguir o equilíbrio químico do cérebro e ter um pouco de “qualidade de vida”, será que esta é uma das formas de evolução da sociedade moderna, onde precisamos “nos drogar” para alcançar a felicidade?

Mesmo sem saber responder a maioria destas perguntas, hoje eu acredito que Deus dotou o homem de inteligência para que possamos também encontrar a cura dos nossos males, ou pelo menos amenizá-los.

Só agora entendo porque pessoas aparentemente normais, muitas vezes mergulham nas trevas do desespero e põe fim a própria vida. Agradeço a esta Energia maior que rege a orquestra da vida, por eu ter consciência da minha debilidade, pois só assim pude procurar os recursos necessários para poder tocar a vida em frente e sentir prazer ao acordar pela manhã sabendo que mesmo depois da tormenta haverá dias de sol para desfrutarmos com nossos entes queridos.