Viagem pelo outro
Esperava como de costume a chegada do ônibus ao ponto. Estava cercado das pessoas habituais e de algumas faces desconhecidas, o que é comum ocorrer no ponto de ônibus a que estamos habituados a usar. Isso de fato pouco me importava, o que me importava era o número excessivo de pessoas que se apresentavam aos meus olhos e assim o medo da possibilidade de não encontrar o meu conforto em alguma poltrona do busão.
Volto para a normalidade da cena. Mecânico, não presto muito atenção na chegada do ônibus. Forma-se a fila a qual me dirijo sem pensar, de cabeça baixa, esperando que os movimentos rotineiros se cumpram.
Uma voz, ou melhor quase um grunhido me interrompe os movimentos. Uma senhora no alto de seus anos e fora da fila tentava a todo custo chamar a atenção do motorista pedindo para que ele abrisse a posta dos fundos para que ela, idosa, então com direito a gratuidade fizesse valer o seu direito. Ele é claro não a via devido aos passageiros que a ocultavam de sua visão.
No alto de sua mão direita estava sua identidade que fora a sua aparência atestavam aquele direito sagrado de quem já deu seus melhores anos para seus familiares e para a querida pátria. Mas ele não a via...
O desespero da senhora aumentava e eu me incomodava com tudo aquilo. Que alguém pedisse a ela para ter calma afinal, por que tamanha pressa? Será que ela não podia ver que o motorista não conseguia vê-la e assim abrir as portas dos fundos para que pudesse entrar e assim garantir seu direito à gratuidade.
Não era um trem do metro que fecharia suas portas e sairia rapidamente, era um ônibus.
Eu tomado de incomodo sem muito poder fazer, incomodo que me tomava o pescoço e que fazia aquilo parecer uma eternidade, quando na verdade se tratava de alguns segundos.
Para meu alivio e volta do mundo ao seu estado de normalidade, o motorista vê o protesto da daquela face de avó da humanidade e a porta se abre.
Então num momento de iluminação compreendo todo o significado daquilo: ELA NÃO TINHA TEMPO A PERDER.
Entrei no ônibus e noto que as pessoas tomam a paisagem e os bancos. Não havia um sequer livre as minhas vistas. Chego ao fundo com pequenas esperanças, esperanças vencidas que em nada lembram As Grandes esperanças de Dickens.
Preparo-me para o ritual de deixar o meu corpo em pé para ser levado pelo movimento do ônibus que encontram obstáculo em minhas mãos em pés que se fixam ao corpo metálico como raízes. Mas eis que surge o rosto.
Aquele rosto universal de avó. Era a senhora que sem palavra alguma oferecia a mim o espaço vago que havia ao seu lado. Era o banco amarelo destinado aos idosos. Ali era como se fossemos velhos conhecidos, avó e neto. Éramos, pelo menos naqueles segundos fraternos, o protótipo universal desse tipo de laço. Sentei-me e seguimos nossas viagens particulares, apesar de tudo...