CRÔNICA SOBRE CAMPO GRANDE: CAPITAL DO MATO GROSSO DO SUL.
Campo Grande é a cidade onde eu nasci, em 24 de agosto de 1975, quando havia ainda o Estado do MT, com capital em Cuiabá. Naquele momento não era capital ainda, do novo Estado: o MS, nascido de um processo histórico tenso de formação da identidade sul-mato-grossense.
Campo Grande é fruto de uma aventura de um mineiro, da região do Triângulo: José Antônio Pereira, que em 1899, chega naquela área com sua família, com carro de boi apenas, buscando melhores dias.
Campo Grande fica num terreno plano, em direção ao Pantanal, ao oeste; no seu centro há uma leve depressão, por onde passam córregos como o Prosa e Segredo, bastante judiados nas suas matas ciliares e no leito (poluído).
Campo Grande, depois de José Antônio Pereira, que monta um sítio na região da saída a São Paulo, passa a ser ponto de parada de comitivas de gado que se dirigiam, calmamente, aos mercados paulistas de Barretos e Andradina, para abastecerem o colosso que estava nascendo: a capital de SP.
Dessa forma, Campo Grande liga-se culturalmente a MG e SP, num primeiro momento - processo observado na musicalidade e na culinária. Isso diferentemente de Corumbá, no extremo noroeste, que se liga a capital do Brasil, o Rio de Janeiro, por meio da navegação no rio Paraguai até Buenos Aires. Corumbá também liga-se mais ao Paraguai e a Bolívia, marcando um distanciamento cultural em relação à Campo Grande.
Um fato mudou a vida das duas cidades: a inauguração na década de 10 do século XX da Ferrovia Noroeste do Brasil, que privilegia Campo Grande e enterra a importância do rio Paraná como ligação naval ao Rio de Janeiro. Foi o Tratado de Petrópolis que logrou este feito, para apascentar a Bolívia após disputas pelo Acre.
A Ferrovia Noroeste do Brasil atrai os imigrantes do Oriente que desembarcavam no Porto de Santos: os japoneses, além dos sírio-libaneses, fugindo das dificuldades que estas áreas atravessavam naquele momento. Os japoneses são basicamente os da Ilha de Okinawa: os Oshiro, por exemplo.
Aqui é formada uma demarcação das terras da cidade, criando a especulação imobiliária. O centro atual é praticamente propriedade destes povos, que fizeram suas residências na área da avenida Afonso Pena, Barão do Rio Branco, Calógeras, num momento ainda inicial da cidade, na área da estação ferroviária, hoje tombada e desativada. Hoje, é a área nobre campo-grandense.
Estes dois povos também foram responsáveis pelo progresso comercial da cidade, pois mantiveram ligações com os mercados externos, importando mercadorias novas e as trazendo à cidade, como tecidos finos.
Um exemplo foram os Zaharan, imigrantes do Oriente Médio, que, aproveitando-se da Ferrovia Noroeste do Brasil, trouxeram o gás engarrafado e os fogões, com vistas ao fim do fogão à lenha, muito incomodo para ser usado todos os dias. Nasceu a Copagáz, entre os anos 60 e 70, sendo uma empresa de expressão nacional no setor. Com a engarrafadora, os Zaharan expandem os negócios, trazendo a concessão da Rede Globo para o grupo, inaugurando assim a TV MORENA, como fator importante de ligação de Campo Grande à cultura nacional massificada pelas novelas de inspiração carioca.
A Base Aérea de Campo Grande é outro fator importante na integração ao restante do Brasil; ela é inaugurada no fim dos anos 40, praticando uma aviação via Correio Aéreo Nacional (CAN).
O Exército também foi outro fator importante de integração, nos anos 20, já que, após a Guerra do Paraguai (1864-1870), o Governo brasileiro percebeu que os militares precisavam marcar maior presença na área.
A Missão Salesiana, da Itália, também foi de grande importância na cidade, trazendo a educação escolar para formar a elite campo-grandense, por meio do Colégio Dom Bosco.
Durante a Revolução de 1930 e nos anos dela decorrentes, a Maçonaria procura articular a criação de um Estado: Maracaju, decorrente de um sentimento nascente de não ser mais subordinado a Cuiabá. Para ir a então capital do Mato Grosso era necessário alguns dias, que eram percorridos, em parte, por vias fluviais.
Diante do processo de crescimento interno e do sentimento de emancipação, no fim do Governo do General Ernesto Geisel, é criado o Estado do Mato Grosso do Sul.
Campo Grande, porém, nos anos 80, ainda ficava isolada das demais cidades brasileiras. As estradas até SP eram de terra, especialmente a que vai até Três Lagoas, as quais ficavam interditadas nas chuvas de verão e extremamente empoeiradas na seca.
As antigas empresas aéreas VASP e VARIG mantinham voos caros para todas as cidades do Brasil,via o aeroporto Antônio João, nas cercanias da Base Aérea.
Isolamento: este sempre foi o sentimento do campo-grandense.
Culturalmente, um fato que singulariza Campo Grande, é a presença da música paraguaia, tocada em harpa, presente em festas da cidade. Nos anos 80, o CTG's difundem a música gaúcha e os grandes bailes que tomam conta dos fins de semana, nos clubes da cidade.
Campo Grande é uma cidade festeira, tanto é que sua feira agropecuária no Parque Laucídio Coelho foi ganhando cada vez mais fôlego, ao ponto de receber mais de 100 mil pessoas atualmente.
Não há como falar de Campo Grande também, sem falar de Laucídio Coelho.
O pecuarista acima citado tornou-se um homem tão rico que chegou a ter banco: a APEMAT. Construiu também um hotel de luxo, na cidade: o Hotel Campo Grande, fora uma rede de frigoríficos.
Outro homem que não pode deixar de ser citado é o atual Senador Pedro Chaves, e sua família. Com o colégio MACE, ergueram um dos maiores grupos empresariais do Centro-Oeste, que abarca desde o ensino fundamental até ao doutorado, com a UNIDERP (Universidade Para o Desenvolvimento da Região do Pantanal).
A MACE e o antigo CESUP, embrião da UNIDERP, foram pioneiros na formação da mão-de-obra para a telefonia e a energia elétrica, nas empresas do governo recém-montado.
A construção do Parque dos Poderes (primeira metade dos ano 80) e do Parque das Nações Indígenas (primeira metade dos anos 90), somados ao Shopping Campo Grande (fim dos anos 90), fazem a puxada da cidade para leste. A região da Mata do Jacinto também sofre uma revolução com a construção de vias, durante a Prefeitura de André Puccinnelli, na segunda metade dos anos 90- transformando o bairro de classe baixa em bairro de classe média alta.
Sendo assim, Campo Grande ensaia 900 mil e, quem sabe, 1 milhão de habitantes, até o fim de 2050, mas ainda sem vigor num processo de industrialização - o que estrangula parte do desenvolvimento da cidade.
Fator que mudaria muito este perfil seria uma maior ligação com a China, via Oceano Pacífico, o que aconteceria via portos do Chile, que transformaria o MS em ponto de passagem logística - pois a antiga Ferrovia vai até o Chile, por entroncamento.
A pecuária de corte, por meio da raça Nelore e seus cruzamentos, é outro fator de caracterização da economia da cidade. A Embrapa tem uma base de pesquisa na saída para Terenos que desenvolveu pesquisas de alcance internacional, como a criação de gramíneas e de animais geneticamente modificados.
Todos estes fatores marcam Campo Grande como um cidade longínqua, de perfil comercial, com serviços públicos, o que a deixa com números modestos, caso comparados às capitais do Sudeste e suas imensas regiões metropolitanas. Porém, comparada às capitais do Norte, há um pequeno vigor, mas nada expressivo.
A dependência de SP é outra marca da cidade, que já teve até campanha para mudar o fuso horário, que é 1h a menos que o de SP. Defendia-se que era sempre 1h de atraso em relação ao gigante paulistano: atraso econômico.
A cidade vive atualmente um briga pelo controle político, por causa da polarização do Brasil entre PT e PSDB, fora o que gira em torno de todo este maniqueísmo, o que tem prejudicado demais sua gestão; gestão, diga-se passagem, que foi modelo nos anos 90, na brilhante prefeitura de André, hoje preso, e do PT, com gestão cultural excelente.
Outro fator importante para cidade foram os artistas que ganharam a mídia nacional, por meio do sertanejo universitário: Luan, Munhoz, Mariano, Teló, Jads, Jadson, João Bosco, Vinícius, Maria Cecília e Rodolfo, de certa maneira, revelados na noite campo-grandense.
E assim a vida caminha, numa cidade entrecortada pelas Serras de Maracaju e rios piscosos, parte deles vindos do Paraguai, parte do rio Paraná. Vazios demográficos, lavoura e gado Nelore formam a paisagem.
Outra população que singulariza Campo Grande são os índios: os Xavantes, os Guatós, os Cadiuéus, os quais comercializam seus produtos na região do Mercado Municipal e vivem em bairros construídos para os mesmos.
As minhas memórias de Campo Grande são variadas. Marcam a minha essência afetiva, formada no fim dos anos 70 até 1994.
Lembro-me da Praça do Rádio Clube, onde há uma casa japonesa no centro, na forma de maquete, onde eu queria sempre entrar.
Lembro-me da Cacimba Sorvetes, do Pastel Mel, hoje inexististes.
Lembro-me do sobá na feira da Mato Grosso, hoje em lugar novo.
Lembro-me do avião na estrada da Base Aérea, que eu já quis demais entrar para brincar de piloto.
Lembro-me do Parque de brinquedos que havia nas imediações da antiga rodoviária da cidade, que eu ia com minhas irmãs aos domingos.
Lembro-me dos cinemas, hoje extintos, na antiga rodoviária, na afonso pena e ao lado das lojas Americanas, que passavam os filmes dos Trapalhões, no começo dos anos 80.
Lembro-me do apito do trem e dos sinais sonoros que existiam quando as composições passavam dentro da cidade, ou indo para o Pantanal ou para Bauru/SP. Eu mesmo já fui a Três Lagoas com meu pai, em 1986, de trem da Noroeste, ficando encantado com a paisagem dos rios e pontes, além de amar o restaurante num dos vagões.
Lembro-me das discotecas do Círculo Militar, as quais tinham intervalos de músicas lentas em que convidávamos as meninas para dançar, quando muito, conseguindo um beijo após a dança ou, no convite mesmo, um não atormentador. O enredo eram as músicas das novelas da Globo.
Lembro-me da Roberto Som, onde eu matava aula, para ficar ouvindo discos.
Lembro-me das escolas que estudei e que não existem mais, como o CESM, CEC, ASE, SEIC, as quais foram os balões de ensaio do que sou.
Lembro-me dos programas de rádio da CIDADE FM, CAPITAL FM, com locutores como Edgar Skaf e toda uma equipe memoriosa, tocando o rock dos anos 80.
Lembro-me do frio na festa junina da Base e das Escolas.
Lembro-me das festas na Rancharia.
Lembro-me da construção dos shoppings, quando a Afonso Pena era uma pista de pegas clandestinos, entre opalas e carros mexidos rebaixados.
Lembro-me de passar na choperia do Rádio ouvindo fita K7, com amplificador tojo, na segunda metade dos anos 80.
Lembro-me das cheias dos córregos em frente a MACE, hoje soterrados.
Lembro-me do Supermercado Soares, na Afonso Pena.
Lembro-me da Boate Chatanooga.
Lembro-me de tudo que vivi e vejo que as escolhas são limitadas na vida.
CRÔN