BASE AÉREA
BASE AÉREA
Ser filho de militar é uma experiência única, e quem é sabe o que estou falando, pois a profissão do militar causa na criança uma imagem muito forte do pai, com características quase que de mito. Isso, em parte, é maravilhoso na infância, mas péssimo, em alguns casos, na idade adulta, criando filhos com sérios problemas de autoafirmação – dependentes demais do suporte paternal para criarem amor por si.
Explico melhor alguns pormenores: é ruim na questão de afirmação do ego do filho homem e na imagem da filha mulher, pois há uma visão conservadora do modelo de família militar, que se transmite de gerações a gerações. A mulher neste modelo não tem espaço de comando. A mulher de militar segue o marido sem muita importância para se dedicar a uma carreira – quando não assume, posto a posto, a patente do marido como se fosse psicologicamente dela, assim como os cargos de comando do cônjuge, só faltando a ela a farda e os distintivos.
No caso do menino, ele é induzido a ser militar também, por só respirar o clima da caserna, não tendo contato com outros meios – nem mesmo outras profissões mais exóticas. Só quartel, que não muda muito, de cidade para cidade.
A reserva, que é quando o pai se aposenta, gera um desconforto tremendo ao filho, por causa da perda de regalias, de poder usar a patente do pai para impor respeito e ter que conviver com civis e seus medos, o que é novidade a quem só viveu neste condomínio fechado que é uma vila militar. Eu mesmo cansei de deixar bicicleta minha na rua, sem cadeado, pensando que ainda morava em quartel (sendo, obviamente, furtadas).
Ser criança no meio de aviões, tanques e navios é quase um sonho: e foi o que eu vivi. Morei durante anos em Bases, pelo Brasil, por conta da profissão do meu pai, que era capitão de infantaria, nos anos 80.
Morei nas bases de Campo Grande, de Natal e de São Paulo, cada qual com suas histórias.
A de Campo Grande é emblemática pela aviação de busca e salvamento, em especial, no começo dos anos 80, com aviões como o Búfalo e os Bandeirantes, fora os helicópteros usados pelos EUA na Guerra do Vietnã. Na sua entrada há o avião de caça usado pelos esquadrões brasileiros na Itália, em 1945. O terreno é de planalto, não havendo nenhum acidente geográfico entre os horizontes. Um lindo campo.
A de Natal era singularizada pelo treinamento dado aos cadetes da Academia da Força Aérea, os quais optavam ou pelos aviões de caça ou pelos aviões comuns, conforme desempenho nos treinamentos. Fica no distrito de Parnamirim, sendo uma base, na 2° Guerra, destinada aos americanos, que a usavam para fins estratégicos de ataque ao noroeste africano.
Já a Base de São Paulo, em Guarulhos, não tem como ser dissociada do aeroporto internacional e dos pedaços de Mata Atlântica que a recortam. Fora uma estação de trem, chamada Cumbica, marcando bem a expansão urbana paulistana que a descaracterizou como área rural, entre os anos 40 ao 60.
Psicanaliticamente, um meio militar é extremamente masculino. Um ambiente de culto fálico e de enaltecimento das características masculinas como tom de voz, musculatura, postura – sendo um meio que desenvolve o culto ao Apolo. Militares são formatados a serem deuses gregos, o que mais uma vez é ruim para os filhos, especialmente os que não optam por uma sexualidade genital conforme nasceram.
Filhos de militares, especialmente os que são sargentos, não podem ir à vila dos oficiais ou mesmo frequentarem os clubes dos filhos de oficiais, gerando, por esse motivo, um clima de mágoa e inveja nos quartéis (tipo: pai, por que o senhor ainda é sargento?).
Dessa maneira, os que são criados neste ambiente acabam assimilando mágoas, já que ali, nas vilas militares, há uma sociedade de castas, como é na Índia, por exemplo. Há uma barreira de postos, hierarquias e outras, que estigmatizam grupos.
Dessa maneira, vejo que muitos filhos de militares não conseguiram se livrar do tempo que viveram e respiraram as carreiras dos pais, não obtendo aceitação de si mesmos, por não serem o que os padrões assimilados da instituição impõem.
A coisa é tão séria, que a escolha dos oficiais-generais leva em consideração o perfil de família que o militar, então coronel, conseguiu ter: um casamento estável com filhos em carreiras tradicionais e bem-sucedidos. Caso não tenham famílias assim, o então coronel não chega ao generalato, pois, se não conseguiu nem comandar seus filhos, não será ele agora um bom comandante.