Há quem não goste do Centro do Rio de Janeiro, eu amo. Você leu corretamente, a palavra que define minha ligação com o Centro da Cidade é amor. Amo aquela conjunção caótica do passado decadente com nosso presente em ruínas, passado que às vezes também tenta se conectar desastrosamente com o amanhã imprevisível. Não nego, sou um nostálgico e o Centro é o detonador maior da minha obsessiva nostalgia, nostalgia até pelo que não vivi. Costumo recordar dos tempos de juventude, em que eu vagava por todas aquelas ruelas em busca de emprego, meu alvo eram os bancos. Acredite, leitor sem fé, eu quis ser bancário, sonhei com isso. Tive sorte, nenhuma das minhas intentonas resultaram em sucesso. Não me pergunte os motivos que me empurravam para o desejo de ser um escriturário qualquer, já esqueci, esqueça comigo.
Por alguns anos, trabalhei na Praça Mauá, na Rua Sacadura Cabral, próximo a Pedra do Sal. Um polo de luxúria na década de 90, com suas boates e mulheres libidinosas, esperando marinheiros que desembarcavam naquelas bandas. Por muitas manhãs, bebi meu café e degustei um saboroso pão na chapa que serviam por ali, aos pés do Morro da Conceição. Dias felizes, daquele tipo de felicidade que a gente não tem consciência quando acontece. Fluímos. Época em que mantive namoro com uma pernambucana que morava num prédio antigo da Rua Barão de São Félix, entorno da Central do Brasil, uma morena escultural chamada Elba. Lembro de acordar em seu quarto, abrir a janela e sentir o sol misturado à brisa revigorante que soprava do porto. A agonia das boas memórias é que elas surgem na mente como se fossem eventos táteis, resgatáveis. Ilusão, memórias são etéreas, imateriais e revelam histórias irrecuperáveis. Torturam-nos tentando nos abstrair do presente quando deveríamos vivê-lo. O Centro não é só um museu a céu aberto, é o meu museu pessoal.
Já no final dos anos 90 mudei de emprego, mas não me distanciei da zona portuária. Fui trabalhar na Rua Alexandre Mackenzie, uma das afluentes da Av. Marechal Floriano. Desenvolvi o hábito de frequentar a Casa do Café Capital e descobri o prazer do paladar e da contemplação. Não digo a contemplação exterior, porque pouco havia para se ver nos arredores da cafeteria, passava mais pela contemplação interior. Sorver o líquido negro, meditar por alguns poucos minutos. Alienava-me entre os ecos fantasmas dos velhos sobrados. O tempo entrava em estado de suspensão. A loja do Café Capital ainda existe, me desloco até ela em algumas ocasiões, bebo o mesmo café e a sensação de intervalo da vida permanece. Depois, um passeio pelo sebo da livraria Elizart, que até Paulinho da Viola frequenta. E o Beco da Sardinha? Um prefácio de paladares molhados por uma tulipa transpirando chope gelado. Vizinho aos bares do Beco, resiste um antigo salão de barbeiros onde disciplinei muitas vezes a rebeldia juvenil da minha cabeleira.
Este fluxo do existir ainda me soa estranho. Lembro-me do filme A Máquina do Tempo, em que o cientista acionava a alavanca de uma cadeira excêntrica e tudo em volta dele ia se decompondo e se reerguendo de outra forma durante a viagem veloz ao futuro. O existir é uma decomposição implacável, é a imposição do desapego, da dor da saudade e das perdas infinitas. O que se ergue em torno de nós vai ficando irreconhecível, um novo mundo que nos desqualifica e nos faz obsoletos.
Por alguns anos, trabalhei na Praça Mauá, na Rua Sacadura Cabral, próximo a Pedra do Sal. Um polo de luxúria na década de 90, com suas boates e mulheres libidinosas, esperando marinheiros que desembarcavam naquelas bandas. Por muitas manhãs, bebi meu café e degustei um saboroso pão na chapa que serviam por ali, aos pés do Morro da Conceição. Dias felizes, daquele tipo de felicidade que a gente não tem consciência quando acontece. Fluímos. Época em que mantive namoro com uma pernambucana que morava num prédio antigo da Rua Barão de São Félix, entorno da Central do Brasil, uma morena escultural chamada Elba. Lembro de acordar em seu quarto, abrir a janela e sentir o sol misturado à brisa revigorante que soprava do porto. A agonia das boas memórias é que elas surgem na mente como se fossem eventos táteis, resgatáveis. Ilusão, memórias são etéreas, imateriais e revelam histórias irrecuperáveis. Torturam-nos tentando nos abstrair do presente quando deveríamos vivê-lo. O Centro não é só um museu a céu aberto, é o meu museu pessoal.
Já no final dos anos 90 mudei de emprego, mas não me distanciei da zona portuária. Fui trabalhar na Rua Alexandre Mackenzie, uma das afluentes da Av. Marechal Floriano. Desenvolvi o hábito de frequentar a Casa do Café Capital e descobri o prazer do paladar e da contemplação. Não digo a contemplação exterior, porque pouco havia para se ver nos arredores da cafeteria, passava mais pela contemplação interior. Sorver o líquido negro, meditar por alguns poucos minutos. Alienava-me entre os ecos fantasmas dos velhos sobrados. O tempo entrava em estado de suspensão. A loja do Café Capital ainda existe, me desloco até ela em algumas ocasiões, bebo o mesmo café e a sensação de intervalo da vida permanece. Depois, um passeio pelo sebo da livraria Elizart, que até Paulinho da Viola frequenta. E o Beco da Sardinha? Um prefácio de paladares molhados por uma tulipa transpirando chope gelado. Vizinho aos bares do Beco, resiste um antigo salão de barbeiros onde disciplinei muitas vezes a rebeldia juvenil da minha cabeleira.
Este fluxo do existir ainda me soa estranho. Lembro-me do filme A Máquina do Tempo, em que o cientista acionava a alavanca de uma cadeira excêntrica e tudo em volta dele ia se decompondo e se reerguendo de outra forma durante a viagem veloz ao futuro. O existir é uma decomposição implacável, é a imposição do desapego, da dor da saudade e das perdas infinitas. O que se ergue em torno de nós vai ficando irreconhecível, um novo mundo que nos desqualifica e nos faz obsoletos.