DOMINGO NA PRAÇA DA MATRIZ
O sino da igreja matriz ecoa marcando o meio dia do domingo. Destaca em seu retinido agudo pelo mormaço do dia abrasador de janeiro.
Dizem que no calor o som se propaga para mais longe, por certo não será pelo calor, mas pelo silêncio da tarde. Nenhuma viva alma, nas primeiras horas da tarde arrisca-se, por corajosa que seja, a enfrentar os 40 graus da rua.
O calor abrasador distorce e confunde as imagens nos paralelepípedos , culpa da refração da luz do sol em contato com as camadas de ar quente mais próximas do solo escaldante. Jamais deve ser confundida com uma alucinação que o silêncio pode sugerir, mas sim ilusão de ótica explicada facilmente pelas leis da física.
A praça matriz deserta como seria lógico esperar, adormece embalada pelo silêncio da tarde. Só os canarinhos da terra e os pardais insistem em movimentar-se sob a aragem quente em que o silêncio só é quebrado pelo tinido esparso do sino e a brisa leve do vento.
Como se ainda se assustassem, os pássaros, agitam-se com os golpes do bronze da igreja.
Por cima das torres principais, lá no morro, Nossa Senhora da Glória refresca-se no ponto mais alto da cidade onde o vento é mais forte e a brisa é mais fresca.
Ela se compraz com a localização em que está. Alguns acusam-na de ser uma privilegiada pela posição que ocupa nos dias ardentes de verão onde recebe os frescores da brisa do mar em suas costas, mas esquecem-se das rajadas frias que enfrenta nas noites pesados de inverno onde ao contrário da aragem fresca do verão sucumbe aos sopros gélidas de junho a agosto.
De quando em vez percebe-se no alto o planar suave de uma gaivota que, desgarrando-se do bando, afasta-se do cais, seu habitat natural, paira atenta por sobre a igreja, costeando o morro, sobre o casario antigo e permite-se rasantes ousados próprios de quem é hábil no mister retornando serena, deslizando pelos ares da Jeronimo Coelho até encontrar novamente seus pares. Faz parte da natureza curiosa das gaivotas.
Em períodos esparsos alguém passa de um lado para o outro da praça observando as antiguidades. Cidade turística requer movimento.
É a família estrangeira que entra pelas portas abertas da Matriz com celular em punho fotografando seus adornos. Contempla o Conservatório, a Casa Paroquial, o Centro Cultural, e como numa apoteose final encanta-se e bate muitas fotos da arquitetura eclética da biblioteca do SESC.
É o casal que saca algum dinheiro no caixa eletrônico do Banco do Brasil.
A moça, bela enfermeira que volta pra casa após um plantão exaustivo no hospital, sedenta, de certo, por um picolé de butiá ou uma Coca gelada do Centrão.
No sol quente da tarde domingueira a pressa é algo de menor importância. Os dias úteis parecem feriados e os domingos, ah, os domingos têm um sossego especial assinalando seu silêncio recheado de segredos.
A vida movimenta-se lenta e preguiçosa na pequena cidade centenária aonde a roda gira a passos lerdos e a noção do tempo tem todo um quê de misterioso e sagrado a ser experimentado em todas as suas cores.
Mas sem pressa.