LATA DE SARDINHA
O cotidiano de uma jovem que tem de se deslocar para a Universidade a 30 km de distância da sua residência seria tranquilo e normalmente aceitável se a mobilidade urbana de Brasília não fosse caótica. Águas Claras cidade que constrói um arranha céu por dia está transbordando de gente, as ocupações e invasões marcam as cidades satélites, no ano de 2014 dizem que o Distrito Federal terá mais de 4 milhões de habitantes.
Enfim, para chegar a Universidade, preciso caminhar 15 minutos até a estação Ceilândia Sul do metrô, a viagem demora 40 minutos, desço na rodoviária e pego um ônibus até a UnB. E nesse vai e vem dentro do BRT, o famoso 110, linha que se desloca da Universidade para a rodoviária sempre está lotado de alunos, hoje não foi diferente, porém visualizei uma figura muito simpática, nosso ilustre cobrador, um senhor de seus 35 anos em média com um sorriso no rosto dizia:
(Leia com um sotaque baiano as frases abaixo:)
- Ô galera vamos ajeitar isso daí!
- Esse trem cabe mais gente!
- Bom dia minha gente!
- Ô moça afaste aí para caber todo mundo!
- Parabéns moça o colega aqui da frente agradece viu!
- Vamos chegar lá juntos galera!
Eu como rabugenta que sou provavelmente iria ficar furiosa imaginando que não era ele que estava ali em pé apertado, mas o senhor se fez tão carismático e jeitoso na forma de pedir para o pessoal se organizar que não pude ter outra reação se não sorrir, assim como as pessoas que observei sentadas no ônibus.
Sempre reclamamos que os motoristas e cobradores são pessoas mal educadas e mal humoradas, mas levando em conta a rotina desses trabalhadores, o salário e as condições de trabalho os mesmos são guerreiros nessa selva do trânsito e que prestam um serviço que sem eles eu não seria ninguém, todos os dias confio a minha vida nas mãos de um suposto desconhecido que me ajuda a chegar a Universidade.
Na alegria disseminada por essa pessoa logo cedo, eu e uma amiga dentro do ônibus dramatizávamos as situações de nossas jornadas, imaginávamos como seria se ao invés de pedir para levar as mochilas e bolsas, as pessoas oferecessem logo colo e um ombro amigo, pensei na ginástica que exercíamos quando é necessário descer na próxima parada e você está no começo do ônibus, Daniele Hipólito perde feio para nossa ginástica artística, coordenar braço, perna, pedindo licença, pulando as mochilas do chão, abaixando nos sovacos dos grandões, tentando segurar, nos sentimos passando por aquelas armadilhas de filmes que guardam jóias com luzes vermelhas prontas a disparar com o berro de um passageiro não-me-toque e o seu prêmio é sair a tempo.
Penso no ônibus como um ringue: você entra com a roupa engomada e cheirosa, no trajeto você é espremido, pisam no seu pé, te dão cotovelada, o motorista não conhece o limite de velocidade e adora dá freadas te jogando contra as barras de ferro ou no chão mesmo, que o destino final deveria ser o hospital para tratar psicologicamente e fisicamente os passageiros. Teria casos e casos dramáticos e de luta de nossa segunda morada pelo tempo que passamos dentro do ônibus, mas vim falar dessa figura que alegrou meu dia, que ele sirva de exemplo para todos os profissionais da área que tenham o mesmo respeito e carinho com seus companheiros de viagem.