O SUSTO

Eu contava cinco anos quando meu pai, que gostava de atividades rurais, mudou-se com a família, de nossa cidadezinha na Serra do Sudeste sul-riograndense, para a zona rural de um município da Depressão Central. Transcorrido um ano, mudamo-nos novamente. Agora, para o interior de um município da Campanha gaúcha. De modo que, quando atingi a idade escolar, não havia escola onde morávamos. Por volta dos meus oito anos, e já com outros dois irmãos em condições de ir para a escola, papai decidiu alfabetizar-nos. E o fez com grande maestria, com métodos objetivos e sem concessões! Ao fim de três ou quatro meses, eu estava alfabetizado. Em português e matemática. E costumo dizer que, nesta disciplina, até hoje sei aquilo que aprendi com ele.

Quanto ao português, evoluí em termos de conhecimentos gramaticais e em macetes de leitura e interpretação. Mas toda a base foi ele quem me ensinou. Como também foi ele quem me ensinou a pensar. O estudo da filosofia apenas ampliou em mim essa que é uma faculdade inata no ser humano, precisando apenas ser exercitada e aprimorada.

Aos treze anos, fui matriculado numa escola na cidade. Como papai não possuía automóvel, eu tinha que percorrer a pé os oito quilômetros que separavam minha casa da escola e repetir a mesma maratona na volta. Eram dezesseis quilômetros por dia!

Na metade do caminho, havia uma árvore frondosa à beira da estrada. Eu sentava-me à sua sombra e fazia ali as tarefas encomendadas para o dia seguinte.

Certa vez, quando seguia para a escola, vi uma boiada, tangida por tropeiros e cães, que ocupava toda a largura da estrada e suas margens, e que vinha de encontro a mim. Pensei: "Vou ser pisoteado!". Tinha que decidir rápido o que fazer, pois a "tropa" se aproximava velozmente. Sem muita opção, desci o aterro da estrada, saltei a cerca de arame farpado, onde deixei pedaços da minha roupa e fragmentos de pele; embrenhei-me num bamburral de aguapés e gravatás, com água pelo pescoço, e esperei a boiada passar.

De volta à estrada, e superado o susto, veio a sensação gostosa de ter sabido safar-me de situação tão grave sem a ajuda de um adulto. Não deu para ir às aulas naquele dia. Estava muito sujo e um pouco ferido. Mas o que perdi em lições escolares, ganhei em aprendizado de vida e autonomia pessoal.

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 05/01/2018
Reeditado em 05/01/2018
Código do texto: T6218027
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