Perde o hábito, mas não perde o hábito

Perde o hábito, mas não perde o hábito

É lamentável assistir a como determinadas pessoas tratam seus cachorros, aqueles bichinhos que são chamados “de estimação”, sem trocadilhos, e sem dúvidas, elas não estimam cão.

Se o mundo fosse justo, muitos donos de animais é que usariam a coleira, e a ração, como já é pretendida, seria o prato de entrada, e saída, desses torturadores de guardiões fieis.

Que a carapuça ornamente a cabeça em que servir, sendo ainda mais claro, que a coleira enlace o pescoço de quem deve ser enforcado; meu vizinho, no caso em concreto.

O pobre bichinho é tratado com requintes de perversidade, apanha muito, come pouco, e nunca é levado para passear, como se para isso foi preciso passaporte; é de cortar o coração, e foi com esse olhar que eu passei a chamá-lo de Bisturi

O Bisturi é uma graça, festivo, sem que tenha motivos para festas; um cão de guarda efetivo, que sempre dá o alarme, com a aproximação de estranhos, quando ele deveria fugir com algum estranho, e tem o pelo coberto de tiririca, por motivos óbvios; tão espinhudinho que eu já pensei em dar a ele um novo heterônimo: Cacto, mas eu gosto tanto de Bisturi que não promovi a mudança, e deixei os heterônimos para Fernando Pessoa.

Banho aquele cachorro só tomava quando chovia, mas era tão sujo, que eu passei a imaginar que ele fugia das chuvas, ou que no quintal vizinho nunca chovia, e mais uma mudança me ocorreu, pensei em chamá-lo de Sertão, mas, como da vez anterior, insisti com o Bisturi.

Além da negligência com o pobre animal, a criança daquela casa, um belo garoto de 3 anos de idade, por vezes era deixado no quintal, e em certa oportunidade a criança recebeu a visita de uma enorme serpente, disposta a depositar toda sua peçonha no garoto indefeso, mas o Rin-tin-tin estava atento, ou melhor, o Bisturi estava vigilante, e latindo insistentemente, conseguiu manter à distância, e afugentar aquele réptil, quando a mãe, tardiamente, percebeu o perigo que rondara seu filho.

O ato heróico fez mudar o tratamento dado ao Bisturi, passou a ser tratado com uma nova marca de ração, um graveto novo era atirado para que o Bisturi fosse buscar.

Eu seria injusto se negasse que o cão em apreço não ganhou mais qualidade de vida, é claro que sim, mas todos que se aproximavam do Bisturi podiam ainda sentir a falta do banho, o cheirinho desagradável (eufemismo) continuava sendo o seu hábito, e sua batina, sua vestimenta, o hábito que o cobria, ou impregnava, não o abandonou, como eu poderia dizer: perdeu o hábito, mas não perdeu o hábito.

Desta feita não tive como me safar, e passei a chamar o Bisturi de Scalpel, nobre e requintada tradução de Bisturi para o francês.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 05/01/2018
Reeditado em 05/01/2018
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