ESQUEÇA AQUELA ESTÓRIA DE SE AMAR PRIMEIRO
Esquece logo de entrada essa ideia, até bem-intencionada, de se amar primeiro. Não existe amor próprio. Há o cuidado por si mesmo, o zelo, a autopreservação, mas amar é algo que nos coloca na eterna dependência do Outro.
A simples indagação acerca de um antônimo para a palavra próprio, associada ao termo amor, traria consigo a negativação desse sentimento. Se o amor que supostamente sinto por mim mesmo é chamado de ‘próprio’, todas as demais formas de amar seriam consequentemente impróprias.
A única propriedade essencial do amor é ser para alguém. Não existe uma posse, mas um ser possuído, não existem tutoriais, não há condição pré-determinada ou ordem numérica sobre o que se deve amar primeiro. Não é preciso amar em ordem, comumente, o amor é uma completa desordem.
O amor desorganiza a trajetória que tínhamos, os planos de outrora, as certezas, desorganiza a cabeça, as coisas na gaveta e a ilusão de controle. O amor nos consome, nos expande ou nos esconde, na medida do respeito que temos por nós mesmos.
Não se ama exclusiva e primeiramente a si como condição primeira para amar um outro. Qual poderia ser a exata medida e o instante preciso em que já nos amamos o suficiente para amarmos um outro alguém?
É claro que cuidar de si é indispensável, almejar amores que nos elevam, que nos fazem ser melhores, que nos acrescentam. Contudo, há quem ame o desamor e se dedique a dolorosas relações que trarão ainda mais sofrimento no porvir.
Por outro lado, há aqueles que entregam e dedicam toda uma vida ao fora-de-si-mesmo, seja em nome de uma causa, seja para salvar a pessoa amada. Não há uma medida para o sacrifício, nem para a outo-preservação, além do quanto intimamente meçamos valer à pena.
O melhor de nós é vivenciado por dois, “o que eu sou, eu sou em par”. Não falo apenas do amor-paixão, das relações de namoro ou casamento. O amor é a reação ao que nos move em alguém e para alguém.
Quando amamos o outro, e essa é a única razão de amar, exercitamos o que temos de melhor, potencializamos nossas qualidades, nossa humanidade e nos desconstruímos para um novo recompor.
Em contrapartida, continuamos comprando emoções pré-fabricadas, pois ainda nos envergonha a passividade das paixões. O “amor-próprio” é sempre o clamor dos magoados, é o avesso da dedicação sem par, é parar para voltar a ser.
Temos tanto medo da solidão que nos escondemos sós, mentimos pela ditadura da felicidade, estampamos uma fachada indestrutível. A imutabilidade das emoções ainda goza de profundo respeito social.
Nem sempre tudo está ou estará bem, quem sofreu sabe – o único lugar seguro ainda é o da crise – a sabedoria está em saber o que fazer da dor e o que permitir que ela faça conosco.
A dor nos engrandece e nos torna mais belos, enquanto não nos perdermos nela. Se houve aprendizagem e o bem para recordar, valeu cada lagrima, cada aperto no peito, cada suspiro que cortou o ar e todos os nós na garganta que ainda hão de vir.