GRÉCIA ETERNA
“A civilização ocidental é herdeira dos gregos diretamente ou através de Roma. ----- A mulher, antes da chegada dos gregos, sobretudo na ilha de Creta, era liberada, tanto que a pintura cretense a projeta - ali havia deusas, o que mostra a projeção do feminino... Com a chegada dos gregos, começou historicamente a repressão masculina na Hélade. (...) Em Esparta, mulher menos reprimida que em Atenas: de fato, sessões de ginástica, nua, ao lado dos homens e mais bem tratadas, preocupação com a saúde feminina, embora em função de futuros filhos. (...) A repressão da mulher grega começou no período áureo da civilização, a partir do século V a. C., o homem como dono da pólis e a mulher em casa, de onde não podia sair sem o consentimento do marido, ainda assim em companhia de um escravo. Idem os deuses em relação às deusas. Pioneiras do feminismo mítico: Palas Atená, que simboliza a força poderosa da inteligência sobre o espírito, e Artemis, deusa da vida selvagem e da caça, associada à lua e à magia.. (...) O homem é solar, racional, enquanto a mulher é lunar, com fases e o lado meio ilógico de que o homem carece - a completude acontece quando sabem respeitar e valorizar estas diferenças.” - JUANITO DE SOUZA BRANDÃO, professor de grego e de mitologia.
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Caberia aqui discutir a ironia plena de CHICO BUARQUE DE HOLLANDA em sua obra musical “Mulheres de Atenas”.
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“A beleza é um atributo essencialmente feminino e as mulheres, como mitos, são eternas. HELENA, a mulher cuja beleza não depende do tempo: mito de perene recomeço, eternamente feminino, ela mesma sedutora - HELENA DE TROIA... Provocou uma guerra de dez anos entre gregos e troianos. Ela não foi culpada e sim dupla vítima (seqüestro/guerra) da situação criada por Páris, o príncipe troiano, seu raptor, a quem foi obrigada a desposar. Pela traição, foi desprezada pelos conterrâneos gregos e também pelo povo troiano que a “adotou” em seu forçado exílio, repudiando-a e culpando-a por dez anos de sangrentas guerras, invasões e massacres. Só o sentimento de ódio por esta mulher foi unanimidade entre gregos e troianos. Foi muito corajosa, qualidade nada própria da mulher daquele tempo;” - J. S. BRANDÃO.
Pesquisa escolar: 1---Que fato deu início à Guerra de Troia? - o rapto da grega Helena, mulher do rei grego Menelau, por Páris, príncipe troiano. / 2---Quais os povos que participaram deste grega? - Gregos X troianos (um em oposição ao outro). / 3---Quem eram os principais guerreiros? - Gregos - Aquiles, Heitor e Ulisses. Troianos - Páris. / 4---Como a guerra terminou? - Os gregos construíram um cavalo gigantesco de pau, oco, em cujo ventre se esconderam inúmeros soldados guerreiros e seus chefes. Colocaram o cavalo às portas de Troia (na Antiguidade, as cidades eram cercadas por extensas muralhas), como se fosse um presente (daí a expressão “presente de grego, significando traição, coisa falsa). Os troianos, contentes e iludidos, deixaram entrar o cavalo de pau e este foi a última batalha com vitória final dos gregos que trouxeram HELENA de volta para casa, para seu marido Menelau e sua terra natal, a Grécia.
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HELENA, nome forte, significa iluminada, reluzente-resplandecente, personagem principal das obras do novelista MANUEL CARLOS, embora não haja em família nenhuma mulher com este nome.
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Há também o livro de MACHADO DE ASSIS, final tipo “beco sem saída” - matar personagem na estória complicada (precursor de telenovelas angustiantes).
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---Nos velhos poemas de HOMERO: “Ilíada”, epopéia bélica, e “Odisseia”, viagens e aventuras, estórias de varões, entretanto o aedo cego conhecia a alma feminina e criou e descreveu figuras inesquecíveis, imortais, símbolos da mulher em várias facetas do ser e da alma.
ANDRÔMACA - Símbolo nos poemas homéricos da esposa feliz, jovem mulher de Heitor, amam-se mutuamente, filhinho lindo, porém uma catástrofe inesperada a precipita num oceano de dor. Por causa da guerra, imagina-se em breve uma desventurada viúva, o filho órfão e ele responde que sentiria muita vergonha em se negar para a guerra contra os troianos. Ela olhou para trás, chora e volta à roca e ao tear. Pressentimentos realizados: Aquiles o mata e arrasta cruelmente o cadáver ao redor de Troia, depois o prende atrás do carro, arrasta pela planície e por fim devolve à cidade. Para ela, a perspectiva da escravidão, para a criança, a da morte, precipitada do alto das muralhas da cidade vencida.
HELENA - Símbolo da mulher de beleza encantadora, mas leviana que num capricho se deixou raptar, consentindo, pelo troiano Páris; abandonou marido, filha de nove anos e se tornou, pela infidelidade conjugal, a causa de uma guerra que durou dez anos: gregos X troianos. Envergonhada depois, desprezada por muitos. Acabada a guerra, sempre bela, volta para casa em Esparta, arrependida, comportada, dona de casa, fiando e bordando, acolhendo e recebendo hóspedes..
NAUSICAA - Símbolo da mocinha bela, religiosa e boa, início de sonhar com o amor - não muito trágica, é atraente. Ulisses estava há dezessete dias sob uma tempestade no mar e aborda na ilha dos Feácios. Atena, a deusa dos olhos de coruja, lhe aparece em sonho e sussurra que a hora do casamento está chegando - a moça pede um carro ao pai, mãe prepara um piquenique e vai com as escravas lavar a roupa da família no rio; depois, jogam bola na praia, a bola cai no rio; Ulisses dormira num bosque vizinho, gritos das moças o acordam, aspecto horrível, coberto de salsugem (lodo salino) - apenas Nausicaa não foge, acolhe o aparente miserável com delicadeza; depois de um banho, transfigurado, ela o imagina futuro marido, mas não o será, vai embora, o sonho acabou (como diria mais tarde JOHN LENNON).
PENÉLOPE - Símbolo eterno da esposa indefectivamente fiel. Há vinte anos que Ulisses saíra de casa para lutar em Troia, guerra terminada há dez anos, ele “esquecendo” o caminho para casa e ninguém traz notícias. Ela não cede às instâncias dos pretendentes, declara que só casará de novo se ele não voltar, depois que terminar uma tela bordada - para que nunca termine, desmancha de noite o trabalho do dia. Espera, chora, preocupa-se com o filho, a quem os pretendentes conspiram matar, que nem conheceu o pai. Ulisses volta na aparência de mendigo, o cão o reconhece, a ama lava-lhe os pés e também o reconhece por uma cicatriz; avisa Penélope, incrédula e desconfiada, mas o marido conta o segredo da construção da cama nupcial, beija-o após a paciente esperança do retorno.
---Nas tragédias do século de PÉRICLES:
Após quatro séculos, a tragédia grega é representada pelos três dramaturgos da época de puro: ÉSQUILO (mulheres na literatura em menor significância), SÓFOCLES e EURÍPEDES.
---Em EURÍPEDES:
ALCESTE - Amor conjugal da mulher que se cala, sofre e morre. Condenado a morrer por ordem dos deuses, Admeto, rei de Feras na Tessália, pede ao velho pai e à mãe que morram em seu lugar, ambos recusam. Alceste, jovem esposa, se oferece: esquecera de si e se preparara ao ato heróico; saiu do palácio, moribunda, apoiada no marido, os filhinhos lhe agarrando ao véu - antes de morrer, deseja contemplar a luz do dia. A morte se apodera dela, pede ao marido que não dê madrasta aos filhos, ele jura que não casará de novo e a mulher morre. Olhando o cadáver da nora, na hora do enterro, o sogro chama a si próprio e ao filho de egoístas, a louca por amor aceitou o sacrifício por quem ela amava.
DEJANIRA - Também esposa abandonada e traída, tipo extremamente atraente, esposa fiel, humilde, sofredora, de um marido glorioso, mas infiel, sempre ausente que não se importa com a mulher e os filhos sozinhos em casa - em tal existência, precoce envelhecimento feminino e ao voltar marido prefere uma bela jovem que traz junto a si. Dejanira sente profundo abalo e a dor do ciúme, mas não grita nem amaldiçoa ou se vinga, e até acolhe a rival com bondade e brandura. Tenta reconquistar o amor do marido com uma túnica impregnada do sangue (filtro infalível?) do Centauro Nessos, porém este sangue é venenoso, queima o marido envolto em chamas, túnica indelevelmente grudada na carne. Ela entra silenciosa no palácio e se mata em desespero, última expressão do amor fiel e da esposa abandonada, calada e sofrida.
FEDRA - Mulher possuída e domada por Eros, o Amor, uma das personagens mais comoventes e mais trágicas do autor, o poeta das paixões violentas - de esposa e mãe honesta passa a incestuosa e criminosa. Hereditariedade pesadíssima, esposa de Teseu, dois filhos, madrasta de Hipólito, filho de uma Amazona. Por causa do ciúme da deusa Afrodite contra ele, Fedra veio a ser vítima de paixão irresistível pelo enteado - virtuosa, evitando o incesto, cala-se, luta em vão com todas as forças contra a violência da paixão que a aniquila; delira com o lindo rapaz, que é caçador e amigo de Artemis; a velha ama a interroga sobre a causa do desânimo e pronuncia por acaso o nome dele, Fedra solta um grito de dor e o segredo, logo silenciando, refletindo, ordenando á criada que se cale, porém esta revela tudo a Hipólito, horrorizado. Fedra teme revelação do rapaz ao pai, escreve uma carta contra o enteado, a intenção é suicidar-se, mas Teseu acredita na calúnia da mulher e amaldiçoa o filho que morre atacado por um monstro que sai do mar. Pela revelação de Artemis, Teseu sabe da inocência do filho, trágica vítima do ódio de Afrodite e do desespero da madrasta. (Vinte séculos depois, RACINE escreve “Phedre”.)
MEDEIA - Esposa traída que passa do amor mais apaixonado ao ódio mais enraizado, abandonada por causa de uma jovem, filha de Creonte, rei de Corinto, e vinga-se do marido Jasão matando os próprios filhos. Incapaz de suportar a traição de quem ela amou desesperadamente, paixão exasperada, e pelo qual tudo sacrificara, pátria, pais e irmãos, não recuou ante nenhum sortilégio ou crime. Desespera-se, grita, soluça, fica furiosa, não suporta nem ver os filhos. Eros é o pai do ódio; Medeia - feiticeira por acréscimo - manda à noiva de Jasão um véu que se transforma em fogueira. Abraça os filhos pequenos, chora antes de os degolar com uma espada, pois o ódio pelo marido grita nela mais forte que o amor materno, e foge num carro alado. (Adaptação inteligente à realidade brasileira de hoje foi criada por CHICO BUARQUE DE HOLLANDA no drama “Gota d’Água”.
---Em SÓFOCLES:
ANTÍGONA - Talvez a mais bela figura feminina do teatro grego. Última descendente de uma raça amaldiçoada, filha de Édipo, mostra que a liberdade humana a serviço da virtude pode ser mais poderosa que a fatalidade e triunfar sobre a terrível “Moîra” (destino). Ao início, heroína do amor filial que acompanha o pai, cego e mendigo, nas estradas da Grécia, esquecida de si, vivendo só para proporcionar segurança e apoio a ele que pouco pede, pouco recebe e que disso se contenta; em “Édipo em Colono”, Antígona é o símbolo inesquecível da piedade e da compaixão segurando a velhice. Missão cumprida junto ao pai, ainda sem pensar em si para um lar com o noivo - outro dever a chama, sepultar o irmão Polinice, apesar da proibição do rei Creonte: em obediência às leis divinas, eternas e não escritas, transgredirá, obedecendo a Deus antes que aos homens. Discursa para o rei, furioso da resistência de uma mulher, e a heróica mocinha declara a ele que amar é se entregar ao sofrimento e à morte - apesar do sofrimento, caminha (como mais tarde JOANA D’ARC, irmã cristã da virgem pagã, que num 30 de maio também chorará diante da fogueira de Rouen) para ser enterrada viva, pois escolheu obedecer a sua consciência e a Deus.
ELECTRA - Filha de Agamenon e Clitemnestra, vive como escrava no palácio dos Atridas após o assassinato do pai, enquanto o irmão Orestes está exilado. É uma moça que sofre de isolamento, maus tratos e desprezo; chora, lamenta-se, mas escolheu sofrer e diz ‘não’ por sua atitude, seu silêncio e suas palavras opostas aos criminosos vencedores e onipotentes - reprova-os e critica; é a alma da vingança, não conta com a ajuda de ninguém, irmã fraca e tímida, irmão que julga morto, então decide agir sozinha. Enérgica, quase viril, dura, agressiva, violenta devido sobretudo a mancha do crime e do ódio que maculou sua infância. Foi criada para amar, coração quente, amorosa com o pai assassinado, sentimento de vergonha pela forma como ele foi morto, mutilado e abandonado. O amor pelo irmão é quase maternal, outrora o salvara da morte e sempre se interessou por ele - ouve dizer que morreu, em desespero sem limites, e aperta a urna que, imagina, contém as cinzas dele - alegria delirante e incontrolável em sabê-lo vivo.
FONTES:
“Algumas figuras femininas na literatura grega”, de Maria da Eucaristia Daniellou (palestra na faculdade local) - Caxias do Sul / RS, revista “Chronos” da Univ. Caxias do Sul, n.10, ag./77 --- “Mulheres de Atenas”, artigo de Junito de Souza Brandão por ocasião do lançamento do livro “Helena - o eterno feminino” - Rio, jornal O GLOBO, 16/4/89.
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