O SEM BRAÇOS - FELIZ 2018

( Essa ficção é baseada em um depoimento

de Tutu Ferreira em uma

entrevista falando de um objeto

de arte que ele fez e eu achei espetacular

para essa mensagem de fim de ano)

Sem Braços quando chegou a Santa Maria da Vitória recebeu esta alcunha sem ter a chance de poder falar o seu verdadeiro nome para toda a cidade. A sua vida não era fácil e nunca foi fácil, principalmente pela falta dos membros superiores e não ter incentivos pra aprender a fazer as coisas com os pés, ou com a boca, como os pintores de pé e de boca.

Ele se alimentava comendo no próprio prato como se fosse um gato ou um cachorro, mas com uma diferença: Usava a mesa normal e não o chão e para beber água ou qualquer outro líquido, ele usava uma bacia, ou uma sopeira rasa, agindo do mesmo jeito.

Na escola aprendeu a ler, mas não aprendeu a escrever, embora houvesse tentado com os pés ou com a boca, mas não teve a paciência necessária. Não podia namorar, porque não tinha condições de abraçar as garotas e nem fazer afagos! Não podia receber aperto de mãos ou acenar para as pessoas, afinal de contas não tinha braços e nem mãos.

Até que jogava futebol, dançava solto, corria com cuidado, mas ao andar com os amigos, se limitava a acompanhá-los em suas aventuras. Não podia nadar no rio, não podia subir em árvores e nem catar frutas silvestres. Aos poucos a depressão começou a tomar conta do Sem Braços, principalmente pelas caçoadas que a maioria faziam com ele, como acenar, ou tentar dar um aperto de mão, ou jogar uma fruta para ele pegar, ou oferecer um copo de cerveja etc.

Sem braços, na manhã de 31 de dezembro de 2017, acordou com a alma totalmente enegrecida e com uma decisão já tomada pra a sua vida: Poria fim nela antes que entrasse 2018. Nem quis tomar café! Saiu de casa e olhou para a caixa d’água lá nas proximidades do cemitério, mas, em razão de não ter os braços, como é que subiria pela escada de vergalhões para pular depois?

Sem pestanejar ele rumou pra a ponte da cidade. Nem quis saber da passarela ali na Praça do Jacaré e foi direto para a ponte que liga Samavi a São Félix e chegando sobre a ponte, deu uma olhada pelo para peito e se viu impotente para fazer um salto perfeito e também achou o local impróprio.

- As pedreiras! Por que não pensei nisso antes? Pensou Sem Braços que a passos largos e sincronizados de um fantasma, rumou para a pedreira, lá na região do Canta galo e ao chegar à beira do precipício, parou a dois passos antes de pular.

Sem Braços olhou o rio fazendo a curva na direção aos gerais, depois olhou a curva em direção de Santa Maria, viu as árvores do outro lado, enquanto às suas costas o barulho das folhagens e o canto dos pássaros se misturavam com o barulho das águas do Rio Corrente.

- Caramba, o rio não tem braços, não tem pernas, mas corre e abraça a natureza trazendo e levando vida pra tudo e pra todos. Estou aqui vendo toda esta beleza porque tenho olhos para enxergar, estou ouvindo porque tenho ouvidos e boa audição! Tenho pernas, posso ir aonde eu quiser inclusive dar fim na minha vida! Eu só não tenho os braços e mãos, mas posso andar, enxergar, falar, ouvir e caminhar enquanto tem muita gente que não tem uma dessas coisas então, por que eu não posso me superar e tornar-me uma pessoa produtiva em busca de objetivos? Claro que eu vou transformar 2018 no melhor ano da minha vida!

Sem Braços retrocedeu dois passos, mais dois, mais dois até se distanciar do abismo e sentar-se embaixo de uma árvore centenária e lembrar-se das palavras de Tutu Ferreira em uma entrevista sobre artes e carrancas:

”O rio é dotado de tanta beleza que a gente e muita gente não vê. Quando você está de mau humor, basta chegar ali na beira do rio, sentar se na proa de um barco, mais ou menos depois de vinte ou trinta minutos, você já sai uma outra pessoa. O rio tem aquela força aquela coisa que lhe tira o que ruim está em você. Quando eu estou trabalhando eu penso o tempo inteiro no rio, vejo as cascatas, vejo as cachoeiras e os sons delas. O rio é um lugar sagrado para nós artistas, vocês. O rio inspira muitas coisas boas e tira as coisas ruins, os fluidos ruins e aquilo tudo vai embora”

Sem mais e nem menos, Sem Braços retorna para a cidade, passa no ateliê do amigo Tutu Ferreira e pede para que ele faça um objeto de arte sobre mostrando a sua imagem sem braços e em alto e bom tom, grita para todos ali presentes: O meu 2018 será o ano da minha virada como pessoa! Vou fazer tudo aquilo, que eu posso fazer e nunca fiz porque só via limitações em mim. Não, a vida não poderá se resumir a ter o corpo completo! A vida depende das nossas realizações e, as nossas realizações, da nossa vontade de realizar! E você que tem tudo no lugar, por que fica lamentando pelos fracassos do ano que está terminando e não se revitaliza para realizar tudo em 2018, ou pelo menos dar tudo de si e parar de choradeira! Realizações não caem do céu!

FELIZ 2018

Jota Kameral e Tutu (Jonatas Ferreira)
Enviado por Jota Kameral em 31/12/2017
Reeditado em 31/12/2017
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