O Renascimento
Outro dia eu pintei Mona Lisa, e vi o quanto ela se parecia com a caixa da mercearia, tão perto ali da minha casa, mas ambas possuem um sorriso enigmático, e me seguem com o olhar, para aonde quer que eu vá; tenho tentado, mas não sei se conseguirei pintar a Santa Ceia.
É complicado fazer uma obra prima todos os dias, mas eu esculpi um Moisés, o condutor dos judeus, e tive o cuidado de não quebrar os joelhos pétreos, depois de lhe pedir -Parla Moisés... parla.
Já contei sobre os amantes de Verona, alquimias e poções, infusões e fins sinistros, abrindo uma confidência a quem me ouviu, Julieta era a menina do boticário, onde eu comprava fragrâncias para ela, sim, eu perfumava Julieta.
Todas minhas Madonas eram castamente vestidas, com legítimo pudor, e sem conotações, todas eram La Mia Signora, todas eram puras, eram Divas.
Quantos já ouviram meus contos, quanto eu já narrei Decameron, quantas histórias curtas fiz divulgar, como se fosse um pescador, um mentor profano.
Como Erasmo de Roterdã eu sabia que”o homem inteligente não urina contra o vento”, e para o Elogio da Loucura, eu fiz a apologia à loucura, e como um insensato, falei da excêntrica extravagância.
Burlei o ortodoxo, rompi com o convencional, critiquei a burguesia e varei moinhos com a minha lança, como se fosse o herói da La Mancha, ou simplesmente o Quixote de Cervantes.
Montei pontes entre duas culturas literárias e artísticas, fui para o museu daqueles que me olham, e fico aqui, sozinho, pensando, como é lindo o sorriso da minha Gioconda.