Umas escolhas*

Um amigo me veio com a mesma história por duas vezes. Em quase mesmas palavras, ele disse que quando a gente opta por uma das alternativas que temos na vida, estamos deixando de lado todas as outras.

Nem tão bem assimilada é essa obviedade repetida pelo meu amigo. Vindo dele, que é maravilhado e apaixonado pelas alternativas optadas, senti-me exageradamente confortável com minhas escolhas.

Sou eu a maior dispensadora de alternativas. Mas há quem não dispense nada, há quem agarre uma oportunidade com os braços; outra, com os pés; e ainda tenta abarcar o mundo com as pernas. Sem se entregar apaixonadamente a nada, essas pessoas põem em risco o bem-estar no trabalho, no lazer, fazendo tudo sem gosto, sem vontade, feito comer comida insossa.

Essa semana uma amiga me apareceu triste. Constatei ela estar passando por um momento vazio, e tentei confortá-la dizendo que nem por isso não existe graça no mar que tem na cidade, ou que não tem doce os sabores da sorveteria, ou que não é da mais linda pureza as gaiatices da pequena que ela tem.

Ela me reprimiu. Disse que só gosta de muita coisa fazendo-a feliz, que não admitia esse vazio momentâneo depois de tempos de explosão de alegria. Eu, que não sou de reagir a uma repressão assim, calei-me, e me fui.

Antes, porém, ela havia me falado de três entidades que nela habitam de acordo com as circunstâncias. Cada uma tem nome, personalidade bem definida, que impressiona se ouvir falar.

Depois de ouvir a história das entidades, foi a minha vez de reconhecer as entidades que em mim ‘baixam’. Reconheci três delas: uma é um tipo de mulher que descasca qualquer abacaxi, faz tudo sozinha, se consola ouvindo As curvas da estrada de Santos na voz forte de Elis, e que tem dó de quem tem dor; a outra é uma menina que dança pela casa, que quando vai à praia solta gritinhos de emoção ao mergulhar no mar, e que quando começa a jogar um jogo qualquer nunca mais quer parar de brincar; a terceira é a mais compreensiva e prestativa das criaturas, que pergunta sem parar, responde sem saber, rir de si mesma, e ainda não sabe se é menina ou mulher.

Cozinhando a reação à repressão por alguns dias, resolvi saber a quantas andava a tristeza da amiga, e telefonei. Estava na mesma, e eu ataquei com a história do amigo.

Contei que conhecera três das minhas entidades, que ainda não tinham nomes, mas que eram todas boas escolhedoras: tinham escolhido o sossego a depressões; escolhido remoer paixões a noites vazias; poesia e balanço de rede a beijos em bocas com 24 horas de validade; noites bem dormidas a farras homéricas que funcionam só pra contar; etc, e etc.

Quem não reagiu dessa vez foi a amiga. Suas três mulheres sequer ensaiaram ais pra cima de mim.

*crônica originalmente publicada no site Crônica do Dia (www.patio.com.br/cronica)

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 22/10/2005
Código do texto: T62102