Crônica de fim de ano

Começar o que supostamente está terminando afirmando que o tempo não existe pode causar espanto. Eu adoro o espanto. Mas vou adiar essa polêmica física para outro momento. Eu disse adiar? É duro fugir do tempo. As palavras tropeçam nele a todo instante. Sim... Instante... Essa “iminência de me tirar o fôlego”. Respiro fundo, claro. Claricemamente. Estou no tempo. E nem cheguei ao calendário. A ficção das ficções de todos os tempos. O livro de contas. E haja livro pra tanta conta. E ainda dizem que o “h” é mudo.  Há uma clareira a mostrar porque o Natal e outras datas se tornaram queridinhas no calendário do capitalismo. Desculpem-me se o texto lá vai sem poesia. “Somos filhos da época. E a época é política”. Aproveitando o rastro, ou a deixa, ou o rastro e a deixa, ou o rastro que se deixa, como eu respeito essas mulheres de palavra.  Mas já deu pra sentir que não acredito nos calendários, a não ser como ficção instituída pra fazer a vida funcionar em tempo e modo oportunos, inclusive (ou seria “sobretudo”?) para o tempestivo o pagamento das contas. Mas falar de ficção face a face com o Papai Noel é concorrência desleal. Por aqui, entre os meus filhos, vigora o perfil da meia verdade, essas coisas de poetas mineiros.

– Mamãe, posso pedir o que eu quiser pro Papai Noel?

– Não.

– Por que não?

– Porque o Papai Noel só fabrica brinquedo de pano e madeira. Logo, se você quiser qualquer coisa diferente disso, eu preciso depositar na conta bancária dele o valor do presente que você pedir.

E assim viajamos no trenó luminoso do Natal ao ano novo. Esse tempo de corações mais amáveis e renovadas promessas. Talvez. Superstição ou crendice, aposto todas as sementes da minha romã na palavra “talvez”. Aliás, ao invés de promessas, que nunca me ganham, elejo todo ano uma palavra-mantra. Minha homilia interior. A renovação do meu Sim. Uma palavra que signifique alguma coisa para a vida que eu acredito ter sentido. Uma palavra que me tire os olhos do calendário e me devolva pra dentro do infinito amor. Uma palavra para vestir, comer, dormir, acordar e abraçar. Uma palavra para acolher o Outro. Uma palavra amiga. Uma palavra que espera. Uma palavra que se empenha. Uma palavra que se doa. Uma palavra escrita. Uma palavra soprada. Uma palavra, enfim, que me reinvente. Nesse ano que se diz findar, a palavra foi “leveza”, embora eu sinta ter vivido tanto “morada” quanto as asas daquela palavra-pluma. Para o ano vinDouro, vou-me “demorar” nesse rio do tempo. Porque tudo o que começa já começou. Eis o meu segredo.

Luciana Pimenta