Nascer, Viver e Morrer

“Eu vou nascer amanhã, viver hoje e morrer ontem”

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Eu nunca escrevi nada sobre mim, tudo o que queria escrever é do que não me lembro, exemplo do dia que nasci. Fico imaginando a primeira vez que os meus olhos abriram, o dia em que vi a primeira luz do sol, o dia em que vi o primeiro azul do céu! Gostaria tanto de voltar ao passando e reviver essa emoção. Mas não me lembro de nada do dia que nasci, como nasci.

Então comecei por remontar memorias esquecidas do encéfalo da minha mãe, cavei ate o mais fundo e busquei respostas para as minhas inquietações. Voltei ao tempo, ate 1991, no inicio da terceira semana, numa segunda-feira. Percebi que foi lá onde tudo começou! Mas levando em consideração o fato de eu ter uma imaginação fértil, juntei todas as histórias que ela contou-me, os filmes que assisti e imaginei o dia do meu nascimento. Hoje quero ser Eu, quero poder cessar os rastos de influências no meu carácter e reconhecer os domínios que se tornaram cárceres em minha vida. Se quero me libertar tenho de partir do princípio ou do dia que nasci. Só posso adiantar que se você me conhece ou ainda vai me conhecer pessoalmente um dia, não se assuste se eu não chorar. Os meus olhos já não choram mais, de tanto lacrimejar a vida inteira, de tanto chorar enganos e fracassos – nada me satisfaz. As vezes fico imaginando a ansiedade dela preste a dar a luz, imagino como ela chegou ao hospital pois naquela altura havia défices de transporte, imagino o nervosismo das obstetras, mas o estranho também é imaginar o meu nervosismo pois sabia que estava preste a aumentar o numero de viventes na terra, estava ciente das minhas responsabilidades cá na terra por isso chorei ao nascer, somente quando nasci e nunca mais, chorei por medo de não poder conseguir achar a minha missão e conclui-lo, confesso que o meu maior medo era de esquecê-lo. Não queria desperdiçar a minha estadia cá terra, ser mais um; não, eu queria ser diferente de todos. Por isso tentar recordar o dia do meu nascimento, para verificar se algo não teria ficado para trás enquanto me ocupava em chorar. A única certeza que me move atrás do meu passando é o facto de que cada ser humano traz consigo a importância na vida de outra pessoa, assim como para o resto da humanidade bem como para a natureza, nossa primeira mãe. Logo, considero que meu nascimento foi essencial para o nascimento de outras coisas e futuramente, de outras pessoas descendentes de mim.

Meu pai não estava lá, nem quando minha mãe sentia as dores da gestação, muito menos quando ela precisava de consolo, um ombro, um amor, ele simplesmente lá não estava. Lembro-me como se tivesse sido abandonado, mas o tempo ensinou-me a curar essa ferida e perdoa-lo. Muita coisa se passou nessa distância; a minha mãe exercia dois papéis: “o de pai e mãe”, as vezes não conseguia, mas ela era forte o suficiente e sem esmorecer a comida na mesa mantinha. Gostaria de poder falar aqui dos sonhos dele para mim que já tivera planejado antes mesmo de eu nascer, mas a vida mostrou-me que nenhum ele tinha para comigo: - negou-me a educação, negou-me alimentação como se pudesse crescer na graça da vida, negou-me o colo e sempre que alguém me faltava com respeito só minha mãe estava lá para me proteger, minha mãe é guerreira e protectora, ela sempre esteve presente para apoiar-me ate em situações em que ela estivesse contra, por isso que eu me agarro a ela e muitos não percebem o porque? Eu vivo pelos sonhos dela e para poder limpar as lágrimas que o meu pai as fez jorrar.

Minha mãe sonhou em ver-me graduar, no entanto neste momento existe uma curta pausa entre mim e a escola, também sonhou me ver num relacionamento serio, ela era muita atenciosa neste detalhe, pois não queria que o seu filho repetisse o erro do seu pai, então ela as vezes seleccionava as mulheres para mim como se ela conhecesse a todas. Na verdade conhecia! Apaixonei-me varias vezes; confesso, mas nada foi intenso ate ao dia que conheci a Vanda - a mulher que escolhi e que faz-me renascer a cada dia como se não existisse mas ninguém no mundo apenas eu e ela.

No dia 14 de Janeiro, a vida parecia estar a preparar-me para a luz sol e os seus encantos, a natureza preparava os seus ensaios os quais admiro, o vento bailava a sua melhor coreografia sobre as árvores, as folhas respondiam a esse imaginário sem contendas e dentre assobios e mukulugwana recebiam-me com alvoroço e contendas; muitos, antes de eu nascer já queriam saborear do meu sangue, tomarem-me como vinho na ultima ceia, pairava um certo medo e alguns sentiam-se ameaçados com a minha vinda pois era o nascimento do rei – O Rei Mbuli. Não podia ficar indiferente então juntei-me a eles as 12h30min e novo mundo descobri. Descobri o mundo que estava coberto de lamúrias e mentiras, perseguições e ostentações, descobri o mundo de aparências em que a verdade é uma arma que tornou heróis os vilões de hoje. Pode parecer impossível mas antes da cirurgia eu já sabia a real intenção do médico. Separar-me da minha mãe! Para sua desgraça eles só cortaram o cordão umbilical que me unia a ela, mas não o amor. E hoje sobrevivo graças a esse amor duplo que só ela sabe dar, e as vezes não consigo retribuir.

Ela teria chegado de manha ao hospital onde passara um pouco mais de 12 horas até dar a luz através de uma cesariana, ela teve muitas complicações no meu parto, as vezes acho que não teria consigo, mas eu fui forte o bastante, quando os médicos tentavam trazer-me a terra eu ia desenhando um plano de modo a proteger a ela, então pensei: - depois de eu nascer não queria que ela tivesse mais filhos, inventei monte de problemas, o meu parto que tinha de ser normal durou 1hora de tempo, doeu para ela mas teria valido a pena pois não queria mais um irmão com pai distante.

“Eu nasci ontem, vivo hoje e vou morrer amanha”

“se quer saber alguma coisa na vida mergulhe nela”

Um Homem nasce, vive e morre duas vezes. De referir que se queres viver tem de ser hoje e não perca essa chance, vive e ame intensamente, pois amanha se não é para nascer é para morrer, hoje é para viver…

Chipuale
Enviado por Chipuale em 27/12/2017
Código do texto: T6209533
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