Outros tempos, mais realistas.
Sou de uma outra época e hemisfério, o que deixou a minha visão um tanto diferente , o que não posso evitar.
Me lembro que nos anos cinquenta, na minha "niñez" (infância), haviam muitas pessoas , ainda jovens, que lutaram na Segunda Guerra Mundial, que estiveram na Rússia ou em Campos de Concentração, mas a maior parte haviam participado da sangrenta Guerra Civil Espanhola ,dos anos trinta, que dizimou um milhão de pessoas.
Alguns traziam marcas no corpo , mas todos a traziam na alma, não eram militares de formação, haviam sido lavradores ou universitários ,arrancados de suas famílias na mais tenra idade, maltratados ,tendo que matar para não morrer, travando uma luta própria pela sobrevivência e pensando em voltar para casa, mesmo que faltando pedaços.
A vida seguia, e o trato com essas pessoas era corriqueiro, faziam parte da cidade, das amizades, da família, e alguns eram taciturnos, haviam perdido a alegria, outros conseguiam externar, mas tocar nesse assunto era doído para todos.
Pelas ruas era comum cruzar com mancos ( em espanhol a palavra é para quem não tem mão ou braço), "cojo" ( os que não tem a perna, ou andam com dificuldade), cadeirantes ( esta palavra nem era usada), e ninguém usava próteses, acho que nem existiam ainda (?), e os olhares eram de pena ou repulsa, eram como uma parte "rota" da sociedade, a que se queria apagar e não dava.
As guerras são bonitas só nos filmes, elas matam e mutilam, arrancam esperanças e rompem sonhos, muitos dependiam da ajuda parca do Estado, pois ficaram incapacitados, e se sentiam como recebendo esmolas, a dignidade lhes fora arrancada, eram um resto do que foram.
Em uma época da minha vida profissional, quando eu estava com meus trinta e três anos, a 'Ford" me colocou de coordenador de EPI ( Equipamento de Proteção Individual), e dentro desse segmento, também se compravam as próteses , então às vezes tinha contato direto com deficientes , gente que havia sofrido acidentes de trabalho ( nos anos setenta e oitenta ), ainda aconteciam muitos, e fiz esse trabalho por quatro anos, com alegria e amor, pois me lembrava de tudo o que havia conhecido na infância.
Essa dedicação fez com que a Montadora me enviasse para a Volkswagen , me tornando o comprador da linha de mecânica , tanto para a 'Ford" quanto para a " Volks". Pouco conhecia de mecânica, mas tinha um curso de desenho mecânico feito na juventude , no SENAI, e isso era um ótimo requisito para a época. Apesar da promoção, eu sentia falta do lado humano que o EPI me dava, o contato com pessoas e sentir o quanto ficavam felizes ao receber uma melhor qualidade de vida, alguns homens maduros de estrada, chegavam a chorar de emoção.