HISTÓRIAS DA VIDA

Durante o período que eu fiquei doente com câncer vivi experiências que mexeram muito forte com as minhas mais profundas emoções. Por mais que eu não queira lembrar são sempre recorrentes, toda vez voltam a minha mente, faço de tudo para esquecê-las me incomodam demais. Às vezes no meio da noite acordo com elas martelando minha cabeça.

Escrever tem sido minha fuga, alivia, me faz bem.

Quando operei na mesma semana foram operados mais 5 homens, desde então a cada 3 meses nos encontrávamos para fazer os exames de avaliação e seguir as recomendações medicas.

Eu e mais quatro tínhamos mais de 60 anos, mas entre nós havia um jovem de apenas 35 anos, casado com uma moça de 30 com um casal de filhos pequenos

Para os mais velhos, com anos de vivencia, a maioria avós se sentiam violentados pela cirurgia uma vez que perderam completamente a capacidade de fazer sexo, imagina o jovem de apenas 35 anos que praticamente estava começando a vida.

Eu olhava para o rapaz e ficava muito triste de vê-lo tão jovem e ter que enfrentar um problema desse tamanho para o psicológico de qualquer um, ainda mais casado com uma jovem. Com certeza o câncer mudaria muito mais a vida dele do que qualquer um de nós que vivíamos a mesma situação.

Penalizado eu procurava sempre conversar com ele. Perguntava como ele estava vivendo aquela situação, e a esposa como via tudo pelo que ela teria que passar a partir de então ao lado dele.

Ele me dizia que o mais importante era não morrer, teria muito ainda a realizar principalmente criar duas crianças pequenas, e em relação a esposa disse que até o fato se consumar se amavam muito e esperava que continuasse assim, e que tinha certeza que ela aceitaria sua nova condição. Haviam conversado muito a respeito e que ele só pediu que se tornasse difícil para ela que nunca o traísse, conversariam antes e ele a liberaria da vida conjugal. O rapaz mostrava um amadurecimento imenso para sua idade.

Confesso que naquele momento foi uma inspiração para me ajudar a superar as dificuldades que eu também estava vivendo.

Bem, começamos os 6 a nos encontrar de 3 em 3 meses para os exames exigidos.

O rapaz logo se afastou do grupo, mudou-se para Belo Horizonte onde moravam seus pais, foi com a família e infelizmente nunca mais tive noticias, peço a Deus que ele também tenha sobrevivido e mantido a família unida.

Os cinco que restaram continuamos a nos encontrar.

Durante esse tempo observava a degradação física daqueles que o organismo não reagia ao tratamento, e de repente deixava de comparecer para as avaliações, não resistia e morria.

Quando aconteceu o primeiro caso todos ficamos muito chocados, conversamos muito a respeito. Com o tempo aconteceu o segundo, e partir dai não comentávamos mais, o silencio era total, ninguém perguntava nada, e assim foi até agora dia 6 de dezembro de 2017 quando somente eu e outro companheiro sobramos do grupo inicial para retornar somente em dezembro de 2018.

Foram momentos muito difíceis, no final para mim estava insuportável.

A sensação é horrível de presenciar aqueles que têm o mesmo problema que você ir morrendo pelo caminho, eu me sentia como no corredor da morte de uma penitenciária imaginando quando chegaria o meu dia.

Com o passar dos meses o desgaste psicológico é terrível, somente aquelas pessoas que passam por uma experiência como essa compreendem o sentimento a que me refiro.

O que me mantem ainda hoje participando desse jogo que é a vida tem sido minha fé em Deus em primeiro lugar, depois em mim mesmo, na força interior de nunca me entregar, e por ultimo na reação do meu organismo e aos médicos que me trataram com total profissionalismo, em nenhum momento me entreguei, sempre achei que sobreviveria mais um tempo, e hoje estou aqui depois de 7 anos.

O que eu posso dizer é que passar por uma experiência como essa e sobreviver, torna você outra pessoa, jamais será o que era anteriormente, é impossível voltar a ver a vida igual eu via antes, a proximidade da morte me tornou uma pessoa profundamente espiritualizada, hoje eu sou 80% espirito e 20% apenas matéria.

Tenho sim ainda meus sonhos materiais, quero comprar um terreno e construir uma casa pequena só para mim, e viver o resto dos meus dias com meus cachorros, escrevendo e amando as pessoas, amando o máximo que eu for capaz, o amor é o que realmente importa, é o único patrimônio verdadeiro que levamos dessa vida para a eternidade.

Espero que o tempo passe eu ainda venha a viver não pensando mais tão profundamente em tudo que passei com essa doença.

O tempo cura todas as mazelas da alma, espero que cure a minha também.

Duda Menfer
Enviado por Duda Menfer em 27/12/2017
Reeditado em 31/12/2017
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