NESTOR TANGERINI, UM POETA ESQUECIDO
BASTIDORES
MORREU NESTOR TANGERINI
Por Djalma Bittencourt
Morreu esse velho e bom amigo de longos anos. Já o encontrei na SBAT, quando aqui ingressei, em 1929. Fazia revistas (1), dando colaboração.
Dava colaboração, porque ele sozinho seria capaz de fazer a melhor das revistas. Mas os seus parceiros eram bons, na maioria – De Chocolat, Aldo Cabral, - e Tangerini entrava com um material que resistiria a tudo. Humorista autêntico, legítimo, tudo lhe dava motivo parar rir. Ria de tudo, até de sua própria vida. Tendo sido vítima de um desastre de ônibus, que lhe custou a perda de um braço; já então cego de um olho, Tangerini ainda encontrava motivos parar rir quando nos disse, há muitos anos: “A morte está me levando à prestação...” Em 1947, dirigia Tangerini uma revista humorística – “O Espêto”, propriedade de Lourival Reis, o nosso popular Zé Bacurau, também humorista dos mais festejados (2). E aí, por volta de abril de 1947, correu um boato que nos deixou triste: Tangerini suicidou-se! Dias depois, apareceu Tangerini, fagueiro, fazendo rir, como sempre. Soube da notícia e disse só isso: “- Que ideia sinistra!” E, logo depois, Tangerini desabafava n´”O Espeto”, de maio:
“Por que curtir a pena
do cárcere da vida,
a que Deus me condena,
se a julgo imerecida,
ante a completa ausência
da lógica razão
de minha penitência
que talvez cumpra em vão?
E assim raciocinando,
cansado de viver
um viver miserando,
lembrei-me de morrer.
Assim a meditar,
senti necessidade
de na morte buscar
a minha liberdade.
E eu ateu, e eu incréu,
no triste aprtamento
daquele arranha-céu,
que era, na noite escura,
um grito de tormento
em plena desventura,
resolvi suicidar-me.
E a janela, num murro,
abro-a, para atirar-me,
quando exclamei: - Não morro!
Era alto pra burro!
Chovia pra cachorro!
Tangerini deixou excelente bagagem literária, de grande valor humorístico, espalhada entre suas revistas teatrais e em publicações avulsas. Seria uma grande contribuição ao teatro de revista reunir toda a sua colaboração num volume. É tarefa difícil, mas muito útil.
Tangerini nasceu em Piracicaba, Estado de São Paulo, em 23 de julho de 1895 e faleceu nesta cidade, no dia 30 de janeiro deste ano.
...
Texto publicado na REVISTA DE TEATRO, No. 350, março e abril de 1966, na p. 2.
O texto foi revisado por Nelson Marzullo Tangerini, filho de Nestor Tangerini.
Nota:
(1) Revista – Teatro de Revista.
(2) Nestor Tangerini e Lourival Reis dirigiam a revista de humor e sátira O Espeto.