Da impossibilidade em agradar a todos

DA IMPOSSIBILIDADE EM AGRADAR A TODOS
Miguel Carqueija


Corria um ano de 1984. Foi um ano muito agitado, como têm sido ultimamente os anos brasileiros. Era a fase das “diretas já”. A ditadura militar chegava ao fim e o último ditador, que por sinal não queria ser ditador (temos de lhe reconhecer esse mérito), o General Figueiredo, concordara com a volta da democracia. A discussão era se as eleições seriam diretas ou indiretas. Acabaram sendo indiretas apesar das multidões que foram às ruas pedindo pelas diretas.
Foram propostos dois candidatos: pela situação (o antigo partido do governo, Arena, virara PDS) o Paulo Maluf; pela oposição (uma coligação) o Tancredo Neves.
Começou a ocorrer um fenômeno curioso: a pergunta “Tancredo ou Maluf?”, ou “Maluf ou Tancredo?”. Perguntavam isso a troco de nada, topei várias vezes com essa indagação. Eu tinha uma resposta pronta: nenhum dos dois. E até, por ironia, eu falava que meu candidato era o Professor Augusto Ruschi, um naturalista famoso. Que, é claro, nada tinha a ver com o processo.
Acontecia então uma bizarrice. Se a pessoa que me perguntava era partidária do Tancredo, diante dessa resposta acusava-me de estar favorecendo o Maluf. Se a pessoa era partidária do Maluf, acusava-me de estar favorecendo o Tancredo. Ora essa, além de tudo a eleição daquele ano era indireta, eu nem iria votar, o Congresso é que iria resolver!
E durma-se com um barulho desses...
Talvez você queira saber por que eu não escolhia nenhum dos dois. Bem, quanto ao Maluf já pesavam algumas acusações, não tantas quanto agora, quando resolveram prendê-lo com mais de vinte anos de atraso e já decrépito (penso que Gilmar Mendes ou algum outro juiz logo irá mandar soltá-lo, e até com bom pretexto, que é o estado de fragilização em que ele se encontra e pudemos ver na tv). Mas, desde o princípio causou-me espécie a empáfia, a arrogância, a prepotência desse homem. Não poderia votar nele, se a eleição fosse direta. Consta mesmo que nem Figueiredo quis apoiá-lo, pois a escolha não foi dele mas do partido (prova de que Figueiredo quis de fato redemocratizar o país é que ele nem escolheu o sucessor ao contrário dos generais anteriores; ele mesmo foi indicado pelo Geisel).
Tancredo Neves tinha contra si uma coisa que eu havia descoberto, revelada aqui e ali mas não muito divulgada: sua ligação com as brigas de galo. Tancredo era um galista e por isso eu não podia suportar a ideia desse homem como presidente. Um homem ligado às crueldades contra animais. Vale lembrar que as brigas de galo são proibidas por lei. Como é que eu poderia querer tal homem como chefe do governo?
Houve quem me dissesse que isso não era suficientemente importante. Há coisas mais importantes sim, mas saber disso para mim era suficiente. Que confiança eu poderia ter em Tancredo Neves?
Afinal o destino pregou uma peça em todo mundo e quem acabou sendo presidente foi o José Sarney.
Eu conto essa história para ilustrar em como não se pode agradar a todos e, se quisermos ser independentes em nossas posições, recusando a seguir correntes prevalecentes, é pior ainda. Há pessoas que polarizam a política e outras questões e só admitem duas posições. Nos tempos atuais acontece o mesmo, pois desde os anos 90 a nossa alta política se polarizou em dois partidos nocivos, o PT e o PSDB, com um terceiro que fica por cima do muro, agregando-se ora a um, ora a outro: o PMDB. E quando dizemos que nossa própria posição é independente, que existem outros partidos, não querem entender. Que seja. Nem por isso eu mudarei. Assim como em 1984 teria anulado meu voto, se a votação houvesse sido direta, eu tenho sempre anulado (desde 1994) nos segundos turnos das eleições presidenciais, porque não admito sufragar nem o PT e nem o PSDB. Não faço voto útil porque se o fizesse viraria um vampiro, ou seja, não poderia mais me olhar num espelho.

Rio de Janeiro, 24 de dezembro de 2017.