É Pra Ver Francisco Que Eu Vou
Eu quis ver Francisco. Não Francisco de agora, Francisco doutros tempos. De fato, odeio a maneira como ele come pães doces como se comesse cebolas. Franzindo o cenho Francisco diz "E quanto é que custa esse terreno? Ta bom de tu se casar, que mulher não tem tanto dinheiro". Sempre o mesmo carrasco. Pior que era verdade. O terreno era caro e meu dinheiro era curto. Ia levar mais de dez anos pra quitar a dívida. Dei uma volta pela cozinha com o queixo na mão. Puxei uma cadeira e sentei-me de frente pra Francisco com um sorriso grande no rosto. "Tu casa comigo então". Francisco arregalou os olhos e por pouco não engasgou com o pão. "Eu me casar com tu? Enlouqueceu mulher". Estampei uma cara carrancuda. Nem mal ideia era, só assim dava pra garantir o terreno, era uma oportunidade de ouro. "Veja bem, tu não gosta de ninguém, muito menos eu, dava pra quitar o terreno e abrir o comércio, depois a gente dividia os lucros, eu te pagava tua parte". Francisco fez uma cara confusa, mais triste do que confusa. "E parece que eu não gosto de ninguém?". Eu afirmei com a cabeça. "Pois eu gosto de tu". Arregalei os olhos tão bem arregalados que quase os senti saltar. "DE MIM?". Francisco desviou o olhar e empurrou a cesta de pães, se dando por satisfeito. Olhei-o novamente. Francisco era um homem de trinta e dois anos, jovem. Era pouco estudado, mas era bom no trabalho de carpinteiro. A roça envelheceu Francisco, como envelheceu a mim. De nada valia o diploma de professora se a situação continuava a mesma. Olhando Francisco eu lembro como o conheci. Havia poucos dias de mudança, eu moça de cidade grande querendo mudar a realidade do povo rural. Fiz tudo quanto era plano bom. Eu ia mudar a vida nesse lugar. Finalmente as crianças teriam acesso a educação de qualidade. O problema foi por em prática. Plano atrás de plano, todos recusados pelo prefeito. "Não temos verbas" ele dizia e mesmo assim só andava pelas ruas de carro de última linha. A mim ele não enganava. Dai eu perdi o emprego. "Professora maluca não, isso lá é exemplo?". Dos dois um, ou eu voltava pra cidade, viver embaixo das asas de papai ou eu ficava e cassava emprego. Fui de empregada a digitadora. Conheci Francisco na transição dos dois. Sai de casa sorridente antes da entrevista. Francisco do outro lado da rua, pasmo me encarava. "É a professora doida demitida?". Fiz a cara mais carrancuda e dei um passo firme pra bem longe do homem. "Oh, desgraceira, volta aqui senhora". Ele me gritou de longe, mas eu ignorei. Só na entrevista notei a falta da carteira. Estava tão contente que não liguei de ir caminhando. Voltei a pé. No outro dia Francisco bateu no meu portão. Fui braba, com fogo nas venta como diz o povo. "A senhora deixou isso aqui cair". Emocionada pedi desculpas, Francisco também. Convidei pra um café, era fim de tarde. Depois daquele dia, não tem um dia sem cafezinho e nossas discussões incansáveis sobre a vida, eu ensinava Francisco e Francisco me ensinava. Ele detesta o cigarro, mas isso não o impede de prosear o fim de tarde inteirinho.
Pus um sorriso nos lábios. "Então casa comigo?". Já era boca da noite, as cigarras começavam a chiar no topo das árvores. Francisco sorriu.