ECOS E CHEIROS
Da série:Memórias da minha rua
Pequenas crônicas de natal (dezembro/2010)
Fim de ano chegando, espírito natalino pedindo passagem...
Lembranças, expectativas, novos sonhos, enfim...
Resolvi dar uma vasculhada em meus natais e os percebi todos,sem excessão,repletos de sonoridade e aromas.
Os cataloguei em tres diferentes etapas de minha vida:
PRIMEIRA: "Natais de minha infância"
Havia prometido à mim mesmo não mais falar na "rua do Fomento" e , de repente,é nela que me vejo agora.
A molecada da vizinhança à caminho da mata.Catar os musgos,as bromélias,as pedras envelhecidas...Trazê-las para o presépio de dona Avelina.A árvore de natal (uma espinhosa araucária) vinha na carroça,cheia de cuidados para que nenhum galho se quebrasse.
Presépio montado:A fonte,o engenho,as ovelhas,os reis magos...Pequenas ruelas traçadas com areia,ladeadas de musgos.No lago de espelho,banhavam-se os cisnes.
Pela árvore,algumas bolas coloridas,chumaços de algodão e anjinhos delicados que as mãos abnegadas da dona da casa recortavam em papel crepom.
Alegria na pequena rua. Natal no subúrbio!
Mulheres de mãos na massa.
Cucas recheadas,fornalhas escaldantes,goiabada,uvas,canela.Cheiros de Natal !...
Casas caiadas.
A baba de tuna,espinhos de cacto,com seu asco forte dando fixação à cal... Cheiros de Natal !...
O resultado final ? Casinholas brancas, soleiras delineadas em vermelho forte. Lembram-me pombais em festa, perdidos nos espaços verdes da memória.
Ameixas sumarentas caindo sobre touceiras
de alecrins.Na mistura de ambos,um bouquet inesquecível,embriagador...
[”Cristhian Dior”,invejaria,se o tivesse aspirado]
Cheiros de Natal !...
Cerveja caseira. Espumante !
Essa, então, tinha cheiros e ecos...
Cheiro do lúpulo,do acúcar caramelizado...Ecos de rolhas de cortiça incapazes de resistir à força da fermentação.
Estampidos de Natal !...
Rádios ligados à todo volume. Antigo anúncio das Casas Pernambucanas, pela rádio local: ["Dezembro,vem o Natal !..."]
Ecos natalinos !...
Noites encantadas dos natais de minha infância.Vozes de rezadeiras e capelães na casa de dona Avelina: "Dooorme em Paz oh Jeesúus!..."
Ecos de Natal !
Gaitinhas de boca (os presentes nunca iam muito além disso),sons enquadrados em janelas caiadas.
Ecos de Natal !...
Ouviam-lhes algumas estrelas, viajantes das madrugadas. "Doorme em paz oh!... Jeesúus..."
E dormiam também os meninos da minha rua.Despertavam na alvorada dos sabiás,cantores de dezembro,embrenhados nas gabirobeiras,saudando a aurora de um novo dia.
SEGUNDA: "Outros Natais"
Vejo-me agora, numa sala ampla de uma casa polonesa. A família é grande,a alegria não é menor.
Num canto da sala a antiga TV “Colorado “(em preto e branco) ,aquela com "perninhas",anuncia o pouco tempo que resta antes do início da missa do galo.
Ao lado,numa eletrola, toca um disco de vinil...Numa das faces :músicas natalinas do coral de Varsóvia.O "Dziadzio"cantarola junto...Faz pose!...Brilham os cabelinhos brancos.Orgulha-se em conhecer e dominar a língua da sua Pátria mãe. A voz aguda e desentoada,ressoa pela saleta...
["Glóooria..."]
Um neto abusado cruza correndo pela sala. Rindo , complementa em tom meio debochado:
["In excelsis Deo"]
Ecos de Natal !...
Na outra sala,arruma-se a mesa para a ceia. Falam todos ao mesmo tempo. Estão felizes! Lembram uma colméia em tarde dourada de sol.
Zumbidos de natal !...
A "Bapka",cansada,entrega os pontos...Um lhe abraça,outro a elogia.Os pequenos querem-lhe o colo...
Aconchegos de Natal!...
Chegam parentes da capital.A familia está completa...Sete mulheres.”A casa das sete mulheres!...” Uma delas divide comigo,há muitos anos, o peso da “mala” costumeiramente sem alças que ,por vezes, a vida nos impõe.
Laços de Natal !...
Comidas polonesas,temperos diferentes.O panetone e a torta de uvas,especialidades de Hilda (hoje com natais em outra dimensão) foram os mais deliciosos que já provei.
Cheiros e sabores de Natal !...
TERCEIRA: "Recordações"
Agora reencontro-me nas lembranças.Nada que me intristeça.Ao contrário,fazem-me avaliar o quanto sorvi os bons momentos que a vida me ofereceu.Seguindo a lei natural das coisas,foram-se alguns personagens. "Bapka" e "Dziadzio",combinados , num dia de um dezembro dos anos 90,partiram."Bapka",pela manhã."Dziadzio",à tardinha. Morte natural em ambos...
Juntos,tomaram caminhos eternos.Um coral de anjos certamente os recebeu,com o mais belo e afinadíssimo dos "Glóooria!..." Afinal,no céu, certamente imperava também um clima natalino.
Depois foram-se tantos outros e os encontros de familia,a partir de então,tornaram-se excassos.
Minhas noites de natal continuam lindas e por vezes tenho a sensação de que estrelas (as mesmas das janelas de minha infância) agem em cumplicidade com meu silêncio.Sabedoras que dentro dêle,num cantinho qualquer,repousam docemente ecos embassados de natais distantes,cheiros de um tempo que a alma ainda aspira e o coração se recusa a esquecer.
Joel Gomes Teixeira
Texto reeditado.
Preservados os comentários ao texto anterior:
03/12/2011 23:34 - Lisyt
Por que só agora fui ler esse seu texto? Imperdoável. Ele é belíssimo! Senti um aperto no coração. A vida é efêmera, mas é tão bonita! E você sabe tocar nossa alma. Um carinhoso abraço, Lisyt.
11/07/2011 01:40 - Lili Maia
Quanta coisa boa e bonita podemos tirar das nossas caixas de lembranças... E o Natal é para mim um TEMPO DE ESPERANÇA, de renovar os sentimentos e pensar no seu significado religioso. É momento de encontro e de partilha e especialmente um tempo de reflexão e agradecimento por tudo o que temos e somos. É bom ter uma família para compor a mesa natalina. Babunhas e Bisos ali, refletindo o passado. Adorei o texto e a imensidão de boas lembranças que ele passa nas linhas e entrelinhas... Obrigada. Paz e Bem e beijos daqui
10/05/2011 23:01 - uma abelinha de irati [não autenticado]
impossivel ler sem se comover temos tantas coisas em comum alem de nascer na mesma cidade nessa epoca de natal meu pai buscava um pinheirinho "de verdade" lá da pedreira em sua bicicleta, nosso unico meio de transporte...a decoração era quase só algodão simbolisando a neve, a cerveja de casa o cuque de banana a retreta da bandinha na praça da bandeira e minha avó paterna tambem polonesa agarrada ao seu terço rezando diante da santinha padroeira dos poloneses; obrigada por me trazer tão doces lembranças amigo conterraneo.
21/01/2011 13:46 - Madaja Dibithi
Lindas lembranças de seus Natais e da família reunida e me fez lembrar dos meus também. Você é um excelente escritor. Parabéns!
17/01/2011 22:52 - Simele
Lindo... fiquei arrepiada, vc me fez voltar aos outros natais da minha infância, me fez sentir os odores e ouvir canções...
14/12/2010 11:12 - Cyda Ferraz
poeta Iratiense epoca de natal existe varias formas de viver, mas essa sua "formula" de dividir amei, irei fazer tbm...rsrsrsrsrsrsrs e com certeza o da infancia a ingenuidade de crer em papai noel e achar que todos os seres humanos são sinceros é o melhor deles, pena que crescemos e encontramos com a triste realidade. FELIZ NATAL A VC E SUA FAMILIA! PARABENS SUA PAGINA ESTÁ CADA DIA MAIS LINDA!
10/12/2010 14:04 - Giustina
Eu lembro com saudade dos Natais da minha infância. A partir daí, não sei porque, mas só gosto do período que antecede os festejos. Gosto dessa época, ruas cheias, alegria no ar. Mas, na noite do Natal sempre entristeço... Beijos, meu querido. Saudades das tuas visitas!
10/12/2010 00:36 - tania orsi vargas
Ah, estes teus Natais lembram tanto os meus... muitas lembranças boas principalmente da infância. Acho que tivemos muito da vida, e quando vejo crianças tão cedo ficando sem referências, abandonadas fico a pensar nestas discrepâncias entre a vida de uns e outros e percebo que tive tanto da vida. E um pouco em atraso venho te visitar principalmente movida por uma sensação de convidada já que você me deixou o amável lembrete sobre seu gosto em que eu passasse por aqui. Você sabe o quanto eu admiro seus textos, o quanto já lhe disse sobre minha admiração pelo que escreve, então fico feliz em saber que você tb. não me esqueceu, que a gente se vê por aí e de vez em quando bate um papo e mata saudades. Se tiver vontade, seria muito bom receber algum recado seu de vez em quando, eu gosto de trocar mensagens, bater papo por email, coisa curta, às vezes online que é ainda melhor. Te desejo um final de ano muito feliz, mais felicidade ainda que nunca é demais, rss...
09/12/2010 20:16 - amarilia
Quem viveu natais maravilhosos como você jamais se entristecerá nessa data.Que essas doces lembranças possam acompanhá-lo sempre e possam servir de motivação para todos os seus.Belo texto, repleto da mais genuína emoção.Meu carinho
.
07/12/2010 21:49 - Rosso
Magnífico texto, meu amigo Iratiense, sublime como tudo o que V. escreve.
06/12/2010 17:24 - Lenapena
Revi os natais encantados de minha infancia, lendo essa bela cronica. Os olhos marejaram, emoção correu solta. Belissima inspiração de lembranças amadas, e saudades que ficam. Parabens
06/12/2010 00:10 - Celêdian Assis
Caro Joel, viajei contigo nas suas lembranças tão doces, com cheiros e ecos de Natal. Não há que se ter nostagia por elas, nem pelas pessoas que fizeram parte da sua história. Melhor é lembrá-las festivamente neste e em muitos natais, com esta doçura que lhe é própria. Que texto lindo e sincero. Saudades de ti também, andamos ambos sumidos e é sempre bom revisitar você e apreciar suas excelentes crônicas. Um grande abraço, amigo.
05/12/2010 21:08 - Lilian Reinhardt
Este texto belíssimo arrancou-me água da cisterna aqui. Sua ressonância tão semelhante, ouvi minha mãe cantar, os olhos vazam, ela cantou em coral (voz soprano), então cantava Noite Feliz para nós e impregnava a nossa casa da alma de cheiros, com seus bolos, cuques, nunca deixou de fazer a árvore, lá vinha a espinhenta araucária se assentar num canto sagrado da sala...ah poeta da minha terra, que infinita presença essa de vossa palavra, obrigada sempre, um grande abraço!
05/12/2010 18:35 - SILVIA REGINA COSTA LIMA
Como vai, poeta? ****Boa Tarde! ****vc teve Natais encantados e cheios de aromas/ sabores/ cores/presenças queridas ..bons como não há mais e por isso lembra-se tão bem deles... casas, pessoas ruas, árvores, cantos, tradições... agora tudo se foi... tempos modernos.. pena.. mas vc tem e terá sempre isso... então é muito rico... texto sensível e sincero. bom de se ler... ** *** Hoje há também - Na Luz dos Olhos Meus - em meu soneto****** Um beijo azul com saudades