O MELHOR NATAL QUE SE PODE VIVER
- O pedido chegou agora e são 620 km de distância! Não vai dar para atender.
- Façam um esforcinho. O Pleito é antigo, a carta de solicitação se extraviou depois que chegou aqui...
- Mas senhor, temos uma grande meta a cumprir e são poucos dias até o fim do prazo.
- Eu sei, mas acho que podemos incluir mais uma tarefa. Afinal, Deus está conosco.
- Mesmo que preparemos as 300 cestas, como faremos para enviá-las?
- Ora, como sempre! Só que dessa vez sem a equipe toda, irão só três voluntários.
- Sem querer ser do contra, acho que não temos produtos suficientes para a demanda.
- Eu tenho fé que ainda hoje chegarão os artigos faltantes.
- Mas não temos mais sábados nem domingos muito menos feriados para a entrega.
- Isso os impede de ir? Respondam com sinceridade.
- Bem, podemos sacrificar nossos compromissos de trabalho...
- Lembrem-se que não há glória sem sacrifício.
- Mas, senhor, ida e volta serão 1.240 Km, não dá para fazer em um só dia.
- Quem faz o tempo e o caminho é Deus. É do interesse d’Ele, com certeza ele removerá qualquer pedra do caminho. Vai dar, sim.
- Não temos mais camionetas nem caminhões disponíveis.
- Se Ele nos dá a trilha, também nos dará o indispensável transporte.
- E como como vamos preparar as 150 cestas que faltam e mais essas 300 em dois dias?
- Dois dias do tempo do Senhor. Isso é muito mais do que vocês missionários necessitam. Mãos à obra!
Com esse diálogo se iniciou a saga da Campanha Natal Sertanejo - 2017 para atender ao pedido da Paróquia de Bom Jesus da lapa, no distrito de Timorante, na Zona Rural da cidade de Exu, localizada aos pés da Chapada do Araripe, onde o sertão pernambucano faz divisa com o cearense.
Após o extenuante trabalho de horas e horas dos missionários, providos de todas as necessidades, partimos a tempo e carregados de cestas, algo muito próximo a um milagre de Deus, conforme o objetivo e para vencer a significativa quilometragem entre a capital e a localidade de Timorante que fica a dezoito quilômetros da cidade do Rei do Baião.
Até a metade do caminho, não encontramos muitas dificuldades. Porém, com a subida do Sol, a quentura foi aumentando, a estrada parecia ir estreitando e as dificuldades do avanço foram aparecendo.
Um pneu do caminhão, ao se espatifar retardou-nos em duas horas. Havíamos deixado para trás o Sertão do Moxotó, atravessamos horizontalmente a parte de baixo do Sertão do Pajeú e já estávamos para deixa-lo quando o pneu deu para o mundo. Faltava-nos ainda vencer todo o Sertão de Salgueiro e o Sertão do Araripe. A temperatura já ultrapassava a marca dos 30ºC.
Passado esse perrengue, fomos adiante. A medida que avançávamos ao Oeste, as consequências da grande estiagem que abate aquelas regiões ficavam mais nítidas.
Ao cruzarmos verticalmente o mapa do Sertão de Salgueiro, nos deparamos com a pior condição.
O que resta da Caatinga, vegetação predominante, estava diferente. Não se via as aroeiras, as amburanas nem a sucupira. Todas pareciam extintas. O pé-de-algaroba que dá o colorido marrom à paisagem nas épocas de seca, igualmente restava ausente do quadro.
Dirigimos mais de hora e meia entre a abscissa e a ordenada do plano cartesiano daquelas paragens sem ver humanos nem animais. Não vimos gado, répteis, raposas, preás nem aves, o astuto gavião e o modorrento urubu, antes tão comuns, também desapareceram.
Só rochas e uma terra avermelhada protagonizavam a cena. Não havia o verde no matiz do sertão. Parece que o chão desertificou.
Dizem que por ali mora um anjo que todo dia rega com a fé o que resta de existência, mas uma fera vem logo depois e rouba toda a água.
O sertão chega a ter esperança quando chega o anjo, trazido pelo voo da asa branca, mas a omissão das autoridades constituídas do país lhe sonega a probabilidade de produzir.
O sertanejo é o anjo e as feras os governantes. Não há mais vida, nem jeito de reviver. Uma terra perdida, enquanto durar tal perversidade.
Enfim chegamos em Timorante. A hospitalidade ali praticada de pronto nos cativou. Lembramos do que falam sobre os anjos dali e compreendemos que poderíamos estar sendo acolhidos por alguns deles, sob a liderança do pároco que muito se assemelha a um arcanjo, liderando sob uma distinta humildade.
Naquela parada sentimos surgir dos céus um pouco d’água para lavar nossos pés, aliviando as dores da maratona. A bondade do povo, apesar de todo sofrimento em que vivem, serviu-nos como a sombra de uma árvore. Neles não há rebeldia, tampouco insensatez. Dos olhos corroídos pela seca brilha uma luz própria, diferente dos outros brilhos que se pode ver.
Recuperamos nossas forças e distribuímos as trezentas cestas. Vimos no sorriso do sertanejo que recebia de nossas mãos as cestas de alimentos a eles destinadas, o merecimento deles e a justificativa divina para o nosso esforço.
Maravilhados com a gratidão demonstrada, que parecia não ter fim, esquecemos então de todo o cansaço, do suor derramado e das lágrimas choradas pela dor e sacrifício de todos os envolvidos nos trabalhos da campanha, nos últimos três meses.
Sentimos que a realização humana, por mais solidária que seja, é apenas a realização da vontade de Deus. Não nos pertence, é dos céus.
Ademais, descobrimos que a nação sertaneja é a menina dos olhos de Deus. Ai daqueles que fizerem mal àqueles filhos do Altíssimo, serão amaldiçoados.
E, com certeza, Deus abençoará aqueles que deram a mão ao sertão, através de doações, recolhimentos, empacotamento, vigilância, transporte e entrega das cestas de alimentos que aliviaram a fome no natal.
Desvendamos também, salvo outra melhor sabedoria, e ainda sob o controle dos fatos praticados por Deus, que podemos guardar os rojões, pois a missão é destinada (destino divino) para aquele povo esquecido por nós, talvez por isso mesmo tão abençoado, que vive distante da modernidade, longe da solidariedade, sob as trevas morais de um país sem identidade, mas onde Deus reina triunfante e conforme sua vontade os recompensará, até porque, pela fé, o sertanejo já se encontra a meio caminho do céu.
O Natal Sertanejo, enquanto campanha, bem cumpre a sua profecia em lugares como aquele e com gente como aquela, sem cirandas ou fogos de artifício.
Prosseguimos o nosso caminho, trazendo conosco agora a certeza de que compreendemos a verdadeira razão e o porquê da campanha do Natal Sertanejo. Somos objetos de misericórdia, assim cremos, assim agimos. Vimos com nossos olhos o olhar de Deus sobre o seu povo.
Vivemos em um só dia o melhor Natal que se pode viver.
- Façam um esforcinho. O Pleito é antigo, a carta de solicitação se extraviou depois que chegou aqui...
- Mas senhor, temos uma grande meta a cumprir e são poucos dias até o fim do prazo.
- Eu sei, mas acho que podemos incluir mais uma tarefa. Afinal, Deus está conosco.
- Mesmo que preparemos as 300 cestas, como faremos para enviá-las?
- Ora, como sempre! Só que dessa vez sem a equipe toda, irão só três voluntários.
- Sem querer ser do contra, acho que não temos produtos suficientes para a demanda.
- Eu tenho fé que ainda hoje chegarão os artigos faltantes.
- Mas não temos mais sábados nem domingos muito menos feriados para a entrega.
- Isso os impede de ir? Respondam com sinceridade.
- Bem, podemos sacrificar nossos compromissos de trabalho...
- Lembrem-se que não há glória sem sacrifício.
- Mas, senhor, ida e volta serão 1.240 Km, não dá para fazer em um só dia.
- Quem faz o tempo e o caminho é Deus. É do interesse d’Ele, com certeza ele removerá qualquer pedra do caminho. Vai dar, sim.
- Não temos mais camionetas nem caminhões disponíveis.
- Se Ele nos dá a trilha, também nos dará o indispensável transporte.
- E como como vamos preparar as 150 cestas que faltam e mais essas 300 em dois dias?
- Dois dias do tempo do Senhor. Isso é muito mais do que vocês missionários necessitam. Mãos à obra!
Com esse diálogo se iniciou a saga da Campanha Natal Sertanejo - 2017 para atender ao pedido da Paróquia de Bom Jesus da lapa, no distrito de Timorante, na Zona Rural da cidade de Exu, localizada aos pés da Chapada do Araripe, onde o sertão pernambucano faz divisa com o cearense.
Após o extenuante trabalho de horas e horas dos missionários, providos de todas as necessidades, partimos a tempo e carregados de cestas, algo muito próximo a um milagre de Deus, conforme o objetivo e para vencer a significativa quilometragem entre a capital e a localidade de Timorante que fica a dezoito quilômetros da cidade do Rei do Baião.
Até a metade do caminho, não encontramos muitas dificuldades. Porém, com a subida do Sol, a quentura foi aumentando, a estrada parecia ir estreitando e as dificuldades do avanço foram aparecendo.
Um pneu do caminhão, ao se espatifar retardou-nos em duas horas. Havíamos deixado para trás o Sertão do Moxotó, atravessamos horizontalmente a parte de baixo do Sertão do Pajeú e já estávamos para deixa-lo quando o pneu deu para o mundo. Faltava-nos ainda vencer todo o Sertão de Salgueiro e o Sertão do Araripe. A temperatura já ultrapassava a marca dos 30ºC.
Passado esse perrengue, fomos adiante. A medida que avançávamos ao Oeste, as consequências da grande estiagem que abate aquelas regiões ficavam mais nítidas.
Ao cruzarmos verticalmente o mapa do Sertão de Salgueiro, nos deparamos com a pior condição.
O que resta da Caatinga, vegetação predominante, estava diferente. Não se via as aroeiras, as amburanas nem a sucupira. Todas pareciam extintas. O pé-de-algaroba que dá o colorido marrom à paisagem nas épocas de seca, igualmente restava ausente do quadro.
Dirigimos mais de hora e meia entre a abscissa e a ordenada do plano cartesiano daquelas paragens sem ver humanos nem animais. Não vimos gado, répteis, raposas, preás nem aves, o astuto gavião e o modorrento urubu, antes tão comuns, também desapareceram.
Só rochas e uma terra avermelhada protagonizavam a cena. Não havia o verde no matiz do sertão. Parece que o chão desertificou.
Dizem que por ali mora um anjo que todo dia rega com a fé o que resta de existência, mas uma fera vem logo depois e rouba toda a água.
O sertão chega a ter esperança quando chega o anjo, trazido pelo voo da asa branca, mas a omissão das autoridades constituídas do país lhe sonega a probabilidade de produzir.
O sertanejo é o anjo e as feras os governantes. Não há mais vida, nem jeito de reviver. Uma terra perdida, enquanto durar tal perversidade.
Enfim chegamos em Timorante. A hospitalidade ali praticada de pronto nos cativou. Lembramos do que falam sobre os anjos dali e compreendemos que poderíamos estar sendo acolhidos por alguns deles, sob a liderança do pároco que muito se assemelha a um arcanjo, liderando sob uma distinta humildade.
Naquela parada sentimos surgir dos céus um pouco d’água para lavar nossos pés, aliviando as dores da maratona. A bondade do povo, apesar de todo sofrimento em que vivem, serviu-nos como a sombra de uma árvore. Neles não há rebeldia, tampouco insensatez. Dos olhos corroídos pela seca brilha uma luz própria, diferente dos outros brilhos que se pode ver.
Recuperamos nossas forças e distribuímos as trezentas cestas. Vimos no sorriso do sertanejo que recebia de nossas mãos as cestas de alimentos a eles destinadas, o merecimento deles e a justificativa divina para o nosso esforço.
Maravilhados com a gratidão demonstrada, que parecia não ter fim, esquecemos então de todo o cansaço, do suor derramado e das lágrimas choradas pela dor e sacrifício de todos os envolvidos nos trabalhos da campanha, nos últimos três meses.
Sentimos que a realização humana, por mais solidária que seja, é apenas a realização da vontade de Deus. Não nos pertence, é dos céus.
Ademais, descobrimos que a nação sertaneja é a menina dos olhos de Deus. Ai daqueles que fizerem mal àqueles filhos do Altíssimo, serão amaldiçoados.
E, com certeza, Deus abençoará aqueles que deram a mão ao sertão, através de doações, recolhimentos, empacotamento, vigilância, transporte e entrega das cestas de alimentos que aliviaram a fome no natal.
Desvendamos também, salvo outra melhor sabedoria, e ainda sob o controle dos fatos praticados por Deus, que podemos guardar os rojões, pois a missão é destinada (destino divino) para aquele povo esquecido por nós, talvez por isso mesmo tão abençoado, que vive distante da modernidade, longe da solidariedade, sob as trevas morais de um país sem identidade, mas onde Deus reina triunfante e conforme sua vontade os recompensará, até porque, pela fé, o sertanejo já se encontra a meio caminho do céu.
O Natal Sertanejo, enquanto campanha, bem cumpre a sua profecia em lugares como aquele e com gente como aquela, sem cirandas ou fogos de artifício.
Prosseguimos o nosso caminho, trazendo conosco agora a certeza de que compreendemos a verdadeira razão e o porquê da campanha do Natal Sertanejo. Somos objetos de misericórdia, assim cremos, assim agimos. Vimos com nossos olhos o olhar de Deus sobre o seu povo.
Vivemos em um só dia o melhor Natal que se pode viver.