Dança noturna, brilho na noite...
Levanto e caminho entre a espremeção dos convidados que dançam. Nesse ponto sinto que todos estão imersos em si próprios, dionisíacos e mesclados aos sons raros de “The Lion Sleeps Tonight”. Brincam entre hipnóticos balões movimentando-se de modo indefinido. Em todos reside a probidade dos que dançam. Todos contidos no brilho especial vindo da noite. O palco está cheio de bailarinas. Vi aquela mulher de azul seminua sorrindo. Ela assoprou um beijo na palma da mão. Depois se aproximou indagando: que lhe parece este corpo? Enlaçou meu braço e levou-me para o meio do salão para sentir o ritmo amabilíssimo da canção. Movia-se com a mais leve beleza de tão encantadora. Sua risada soberba na verdade era simples, quase ingênua. Próprio da elegância sensual de suas ancas num requebrado de palmeira ao vento. Alguém elogiou a canção, porém reclamou da musicomania atual composta de tolices. Exaltou o bom gosto nutrificante e, no entanto assobiava pessimamente uma canção campeira vestida de americana. Alguma impressão, algum transporte lembrava o crepúsculo de ontem, quando a tarde iniciou seus trabalhos para envermelhar os rostos daqueles que estavam sentados próximos da janela grande. Era o ensaio que buscava perfeição na velha Rua Barão do Rio Branco. Rua que parecia desconhecer em mim um antigo habitante.
Quer a dança atrair pela inofensividade do transe o seu resultando em calor humano. Todos dançam envolvidos pela insobriedade mágica que paira nesta breve pausa de tristeza diluída no mundo. Que alegria momentânea e linda! Insobrepujável. Agora sim temos a paz ambiente da tolerância universal.
Por sorte a musicomania é uma droga que ainda não foi detida, continuou o crítico resmungando. “A mente tem o passo ligeiro, mas o coração vai mais longe” – Disse-lhe Lise com sua beleza chinesa. Vamos dançar! Vamos. Por isso esperávamos diante uns dos outros, qual muito, qual pouco, o reinício da música. Fui até o balcão e procurei apanhar frutas e bebidas. No caminho recebi um beijo adoçado de Rebeca que produziu um riscadinho de batom em meu rosto claro e calmo.
Até o sovina Cardan sentado no canto da mesa sorriu sem astúcia válida para a mulher que servia os copos. Foi sub-regendo sua grosseira identidade de solitário avarento, foi dominando seu ser comprimido que pediu um pouco de cerveja ou rum, não sei ao certo. Preso a lua cheia na calma da noite ele parecia ter contribuído com algo para o mundo. Para ser justo de fato... Mesmo se enganando ele parecia ter doado alguma coisa para alguém como uma flor aos cegos de seu somitismo. O homem que eu conhecia era outro na festa. Sentado e só, não dançava, pois a dança parecia lhe tirar todos os seus valores pela generosidade dos movimentos. Sobrepujou nele sua riqueza miserável contida na simples aglutinação de objetos, pesos, valores que se acumularam na escuridão de seus cofres.
Quando eu tiver chegado ao fim levarei comigo este momento feliz de luz difusa que ocultou meus aborrecimentos. As cores, as texturas, os movimentos misturam-se. Ninguém é José, ninguém é Joana, ninguém é Rosa, ninguém é João nem Maria. De tanto reluzir felicidade permanecem divinos os astros. Tenho convicção de que os corpos celestes divinizam as danças noturnas. Tenho muita convicção.