Assim ou ...nem tanto.122
Negro
Não sei há quanto tempo me dura esta noite. É negro tudo o que olho e eu próprio sou negro, imóvel, de corpo morto e silencioso. O que tenho vivo é o cérebro mas agora sem imagens que não sejam inventadas. Invento-as pretas e sobre o veludo desta escuridão, não existem. É como se as não inventasse. Qualquer um, por capricho, insanidade ou poesia, se pode recolher ao negro e ficar, qual crisálida, a esperar uma transformação ou, nos casos mais graves, a não esperar nada. É assim que estou, como se fosse uma exclusão absoluta, um exílio em lugar profundo, denso, morno. Não há caminhos, nem cores, nem sons, nem vida. Quase morte, quase negação, quase desistência sou, no entanto, o que ainda pensa, decide, que se pode esticar e se estica, se pode forçar a regredir e faz, para isso, uma força tremenda. Tanta que acorda o sangue, que força as pálpebras fechadas a abrirem-se ao negro, que faz com que a noite se inscreva, suave, na minha pele. Pelos, seda e, enfim, uma aragem leve, tão leve que poderia ser, ela também, inventada. E sou, antes de sair para enfrentar o recomeço, a vida e luz, uma crisálida, quase borboleta pronta. E sinto as asas dobradas ao longo dos braços, e percebo que tudo pode existir invisível por falta de luz, de amor, de vontade. Abandono, por fim, o meu casulo e sou, perfeita, a borboleta que, sem luz, é negra e não existe.