NA BRUMA LEVE DAS PAIXÕES
Viver ao lado de quem se ama e deseja dia a dia é muito prazeroso. Ele chegava cheiroso, arrumado e com flores. Ela aguardava ansiosa, com o melhor penteado e maquiagens, saiam ao cinema, iam namorar curtir a vida, adoravam dançar e ao fim do encontro, cada um ia para seu próprio espaço, até o encontro seguinte. Cada momento compartilhado aumentava dentro deles a sensação de se pertencerem, era tanto amor que o desejo de tornar isso eterno os levou ao altar, finalmente se casaram e juraram amor até a morte, e no anel de cada um estava escrito: “Só você e eu”.
Agora já não havia entre eles o distanciamento, viviam juntos. Descobriram que o amor não é um mar de rosas, ela descobriu que ele roncava, ele percebeu que muito nela que chamava sua atenção era maquiagem, mas relevaram, seguiram em frente, afinal já não eram mais crianças. O tempo passou, surgiram os filhos, eles demandavam muita atenção e a rotina do trabalho era trazida pra dentro de casa, aos poucos foram se distanciando, lentamente foram se perdendo. Estavam juntos, porém separados. Só se falavam na cama, quando dormiam, o sexo – quando tinha – era mecânico, sem energia. A rotina diária tirou do relacionamento deles o calor, era apenas pessoas que conviviam na mesma casa.
Começaram a discutir por coisas fúteis. Os filhos adolesceram, veio a faculdade, o emprego e a despedida de cada um. A cada filho que conquistava seu espaço neste mundo, aumentava a solidão dentro de casa, até o dia em que voltaram a serem só eles dois. Ela, mulher madura e cheia de vida, já não queria mais aquele sexo sem volúpia, afinal quem vive só de pau é cupim. Ele, homem cheio de sonhos, desejava alguém que o olhasse com admiração. Cada um era o que o outro precisava, mas já não andavam de mãos dadas, não saiam mais para dançarem juntos, viviam em redes sociais, o silêncio impôs distanciamento e o amor, se não for nutrido, morre. Os gritos era preciso, pois os corações de ambos estavam distantes.
Para que exista amor, não basta estar juntos, é preciso se permitir ser modificado por ele. Emílio Santiago já dizia: “Quem quer viver um amor, mais não quer suas marcas, qualquer cicatriz”. O amor se nutre de coisas simples do dia a dia, no sorriso que se dá ao amanhecer, do olhar de saudade pra quem saiu a pouco, da mensagem de saudade no celular, de flores sem ocasião, de presentes sem datas especiais, de abraços inesperados que se transformam em abrigos seguros contra a solidão, de elogios que nos roubam o rubor do rosto, de cinema, de samba e dança, de filmes em nossa sala comendo pipoca e bem juntinhos, de falas picantes que tragam excitação, de lingerie e quem sabe até de nudes discretos, ver no outro morada segura, e não se assustar com tantos defeitos e diferenças, pois cada traço existente alimenta o que se sente no peito – amor.
Amor é responsabilidade diária no cativar, no descaso o coração fica carente, e carência é complicada, pois nos faz ver amor onde ele não está e quase sempre nesta busca de preenchimento da solidão abrimos espaço para pessoas que apenas se aproveitarão de nossa carência e tirarão de nós o pouco de vida que ainda nos resta, em redes sociais encontramos palavras lindas, mas que não passam disso – Palavras. Chegam prometendo o céu, damos o nosso mundo e nos deixam sem chão, pois abandonam logo depois que percebem uma nova vítima.
Brigaram uma ultima vez: “Feche a porta do seu quarto porque se toca o telefone pode ser alguém com quem você quer falar por horas e horas e horas”, canta Renato Russo. Ela pediu o divórcio, descobriu um novo amor nas redes sociais. Ele descobriu que ela tinha outro e viu sua vida se transformar em um inferno, uma dor insuportável dentro do peito que achou jamais passaria, saiu de casa prometendo: “Logo, logo, assim que puder, vou telefonar, por enquanto tá doendo. E quando a saudade quiser me deixar cantar, vão saber que andei sofrendo”, como diz a canção de Jorge Aragão. A única pessoa que pode dar o que precisamos somos nós mesmos.
Descuidaram-se do amor, Como continua o grande Emílio Santiago: “Que prazer tem sorrir, se ela não me sorri também. Quem pode querer ser feliz se não for por um grande amor”. Pode ser que ainda haja tempo de reconquista, quem sabe ela não devolva o seu sorriso dado? Pode ser que a terra esteja apenas desnutrida, mas cuidada novamente quem sabe o amor não brotará com mais força ainda? O amor nos surpreende.
Por outro lado, se o amor se perdeu nas palavras que machucaram demais, e olhando para o relacionamento o que restou foram apenas marcas de dor e nada há que valha a pena, então siga em frente e deixe-a seguir também em frente, como canta Jorge Aragão: “E que agora longe de mim você possa, enfim, ter felicidade”. Não vale se machucar mais e nem cometer os mesmos erros, canta Renato Russo: "Mas já que você não está aqui, o que posso fazer, é cuidar de mim". Se cuidar pra não sofrer novamente e não mais esquecer que amar é ser responsável diariamente, não basta apenas um anel gravado: “Só você e eu”.
Jairo Carioca, escritor e psicanalista, autor do livro "Crônicas de um divã Feminino" pela editora Autografia e que já se encontra à venda nas melhores livrarias ou pelo telefone (21) 995702931. http://www.recantodasletras.com.br/autores/jairocarioca