O bug

Observou o relógio.

A hora estava chegando. O “bug” seria alarmante e inesquecível. Na padaria do Joaquim, cedo da manhã, havia comentários diante do pão quente.

- O mundo está se acabando! À zero hora de hoje todos os computadores enlouquecerão!

Alaíde se persignou retornando com a notícia distorcida.

- Gente! Um asteróide cairá sobre a terra! (As crianças viraram o café). Os computadores se desligarão uma hora antes... Será um inferno.

O marido lhe agarrou o braço, firme. Conhecia a mulher e seus exageros. Chegou a dizer que o “bug” transmitia doença venérea. O velho descia as escadas para o desjejum e estava longe das preocupações do mundo. Ligado à flutuação do afeto quente e cósmico dos lençóis, fundamental e essencial. Não era a primeira vez que ouvia falar em fim de mundo e nem seria a última. O “fin de siècle” é sempre desespero. Alguém inventa uma nova moda para liquidação geral. Espécie de “Morumbi Fashion” dos fatos. Os noticiários apontam novos terremotos, novas enxaquecas, novos dilemas. Como a terra tem acnes surtiam erupções vulcânicas. Pois então o “bug” era café pequeno.

O avô era um exemplo de alegria e vida. Arrastava-se até a banca de revistas para comprar um “best-seller”, porém exigia que o vendedor lhe vendesse um “Peter Sellers” porque para ele dava no mesmo.

O Zé da banca comentava:

- Vovô o senhor viu?

- Viu o quê?

- O “bug” do milênio trocará tudo de lugar. Na hora de pagar o livro recusava o troco dizendo.

- A natureza está a seu favor. Fique com o resto. Os computadores do mundo inteiro enlouquecerão quando o relógio bater zero hora. Tic-tac-tic-tac. Vovô estava avisado.

Quinze minutos para a meia-noite. Cinco minutos, dois minutos, cinco segundos, meia-noite. Os foguetes começaram a demolir o céu. O velho tempo estava definhando.

- O que aconteceu?

- Os meninos se deram conta de que para escrever não precisavam mais de linhas. Foi a única coisa que ocorreu.

Era o novo século.