PRAÇA ONZE: SAMBA
Fragmento 1 --- Falar da antiga Praça Onze (nome referente a 11 de junho, vitória das forças brasileiras na guerra contra o Paraguai), no Rio de Janeiro, então capital do país, população aproximada de um milhão de habitantes, geograficamente um lugar privilegiado bem no centro da cidade, é lembrar a história da comunidade judaica nos arredores, início e formação de uma comunidade. Nos efervescentes anos 20 do século XX, tempo da Bélle Epoque, o nome se estendia a várias ruas, praticamente um 'bairro' inteiro, local de comércio - lojas e pequenas oficinas - para centenas de famílias judias imigrantes, não importando a origem, maioria da Europa Oriental, incluindo sinagogas, instituições filantrópicas, culturais, recreativas e ideológicas, também redações e tipografias de imprensa em ídiche, como por exemplo o semanário "Dos Iídiche Vochenblat", fundado no Rio em 15 de novembro de 1923. --- Já em 1913, existia a Casa Sion, de móveis. --- Na região da praça, proximidades da gare da Estrada de Ferro Central do Brasil, numerosa população de imigrantes italianos e portugueses, imortalização na poesia popular, célebre pelas grandes concentrações nos dias de carnaval, anos 30 e 40. --- A praça era um grande quadrilatéro, prédios de dois e três pavimentos; depois da praça, ruas divididas pelo Canal do Mangue (ainda existente), ladeado de palmeiras - uma rua apenas com numerações pares e outra ímpares, ruas transversais a estas com diferentes extensões, sofrendo posteriores mudanças de nome ou desaparecidas para a abertura da avenida Presidente Vargas. No lugar das velhas construções, surgiram majestosos edifícios... --- Havia uma importante escola pública, a Benjamim Constant, homenagem ao ideólogo positivista, figura de destaque no movimento republicano - frequentada nos anos 20 por numerosos alunos judeus. --- A maioria dos prédios tinha andares térreos para trabalho - pequenas indústrias, alfaiatarias, tecelagens, fabrico de guarda-chuvas etc. - e moradia nos andares superiores. No centro da praça, um belíssimo jardim com árvores frondosas e arvoretas floridas, bancos nas veredas que serviam de leito para boêmios e mendigos nas noites frias; ainda um coreto, onde aos domingos se exibia uma orquestra da policia militar, com músicas clássicas e populares, e um repuxo, mais tarde transferido para o Alto da Boa Vista. --- A reforma urbanística ocorreu em 1927, "alegria" retirada, vida dinâmica até o fim dos anos 30, enorme gueto sem muralhas e quaisquer restrições, fim do recanto bucólico...
Fragmento 2 --- A maioria dos judeus se dedicava ao comércio ambulante - movimentos impetuosos, sempre apressados, de preferência correndo as lojas ao entardecer; alguns estabelecimentos em ruas um pouco distantes, de sedas e tecidos finos, pertenciam a judeus sefaraditas. O "prestamista" ajudava às necessidades da população menos privilegiada - trabalho difícil carregar a mercadoria às costas e bater de porta em porta em busca de comprador: pagamento a prazo em pequenas prestações, fosse roupas, joias, objetos úteis ou mobiliário, tempo sem o problema inflacionário. Poucos maus pagadores, os caloteiros, 'Tzvekes', pragas em iídiche, idioma falado de todos os recantos (raramente russo, polonês ou húngaro). Muita freguesia de origem asquenazita, empregados não-judeus e comerciantes sefaraditas pouco a pouco aprenderam iídiche. Numa certa fábrica de capas, onde trabalhava desde menino, um empregado negro falava iídiche fluentemente, o patrão sem conseguir aprender o português. --- Para tornar-se um ambulante, era necessária recomendação de outro - mercadoria fornecida para pagamento em 90 ou 120 dias. Muito esforço, economia severa e adquiriam uma situação econômica estável. --- Na praça, movimento de judeus regurgitando no dia, à noite movimento de passeios nas calçadas e no jardim, casas sem ar condicionado, econômicas residências em espaço apertado para muita gente, quase nenhum conforto, ar fresco aproveitado na rua, em especial no verão. --- Club Juventude Israelite, Biblioteca Scholem Aleichem... imigrantes e suas famílias reunidos até horas tardias. Fechado o comércio, refeições nas proximidades, sendo que a maioria dos prestamistas na hora do almoço matava a fome com pão, leite e pão com manteiga, embora existissem pensões familiares da tradicional cozinha judaica, e num sobrado o popular, não muito grande, Restaurante Schneider, das 11 da manhã até meia-noite, filas intermináveis aos sabados e domingos. Ah, nostalgia!
NOTAS:
1-Judeu sefaraditas - originários da Peninsula Ibérica; asquenazis - da EuropaCentral e Oriental. --- 2-Pesquisem o samba da memória: "Praça Onze" /berço das escolas de samba do Rio/, de Herivelto Martins, 1942 - "Vão acabar com a Praça Onze (...) e o teu passado cantaremos."
FONTES:
"Em memória da Praça Onze" (livro publicado em ídiche), de Samuel Talamud /advogado e escritor, primeiro cônsul (honorário) de Israel no Brasil/ - Rio, 1983.
Revista SHALOM n. 127-SP, jan./84---"Em memória da Praça Onze"
(livro publicado em ídiche) de Samuel Talamud/ advogado e escritor,
primeiro cônsul (honorário) de Israel no Brasil/-Rio, 1983.
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