ENSAIO SOBRE A MINHA MORTE
ENSAIO SOBRE A MINHA MORTE
Eu que um dia nasci. Morro hoje.
Esta morte veio vindo há tempos. Onde o tempo não deixava florir. E o tempo era como um jardineiro imbecil. Podava os brotos. Podava as folhas. Podava o gesto do depois de brotar. E eu, fui deixando que as tesouras enferrujadas de uso, fossem abrindo e fechando suas lâminas.
No encontro dos seus metais a velocidade cegava as promessas. Nas fagulhas tenras das folhas, uma a uma, caíam vidas incertas. Fora da terra. Dentro da terra.
Folhas-embriões numa agonia verde expiravam seus orvalhos.
Meus olhos indevassáveis refugiavam-se em pálpebras escurecidas. Como única forma expiatória de ordenar o desordenável.
Ajoelhei-me perante este inexato jardineiro.
Catei-me nos pequeníssimos picotes. Deparei-me com minhas lágrimas. Seivas esverdeadas de angústia. E ele, implacável em seus gestos obsessivos e indissoluvelmente precisos, podava-me. Podava-me.
Hoje morro. Meus olhos se abrem. Não sem o ruído ressecado, fenômeno natural após uma vida inteira de clausura.
O que vejo? Borrões amarronzados.
Folhas secas atapetando a terra. São resquícios de mim.
Penso no vento. Ah! Se ao menos houvesse vento. Seria levada dali. Como pássaro migratório. Mas vento não há. O que há se assemelha a um corpo falido. Seco. Metamorfoseado e seco. Quebradiço.
Ouço-me. Criqt, criqt, criqt. Passos que me caminham. Solados que desafofam-me.
É meu velório!
Não há choro. Velas foram estritamente proibidas. Podem incendiar-me.
Mírian Cerqueira Leite