Assim ou ... nem tanto. 121
Recomeçar
Morria por dentro. No começo houve uma espécie de agonia e tudo o que a animava se tornou distante, opaco, ou indiferente. A seguir o corpo deixou de sentir vontade de sol, de harmonia e resistia ao banho, à troca de roupa, ao esforço. A vida passou a ser algo irreal, obscena e dormia muito para fugir do que a incomodava ou daquilo que pensava sem solução. Tomava ansiolíticos, laxantes, entorpecentes. Ganhou um ar estranho, desleixado, desamparado. Ninguém queria a sua companhia e ela, deprimida, preferia o isolamento, a fuga à justificação. O mundo passou a ser uma nave mutante, pouco firme, enorme para poder ser controlada. Este dia passa como passou o de ontem, como talvez passe o de amanhã, costumava pensar. O futuro, em absoluto, não a interessava. Já não é importante que ele telefone, que venha ou não, que continue com a sua família convencional. Tolerou ficar o dia presa ao telefone que poderia não tocar. Aceitou ser a outra de um homem sem palavra, sem tempo, sem horários, sem certezas. E, agora, os enjoos, a sensação de debilidade e os desmaios. – A senhora está grávida, disse o médico. E uma nova luz lhe nasceu, uma insuspeitada coragem a tomou, uma vontade de viver, de lutar e de, sozinha, enfrentar o mundo. Ele nunca mais veio. Ela nunca mais lhe sentiu a falta.