Presenças imperceptíveis
A caneta desliza freneticamente sobre a folha de papel, cumprindo sua missão de, naquele momento, registrar mais um poema. A sala, seria deserta, se não fosse a presença da velha estante recheada de livros. e que livros! Obras de valores inestimáveis.
Somando-se a essa deusa acolhedora das mais desejáveis virtudes, a velha escrivaninha e uma cadeira também já marcada pelo tempo, povoavam o lugar, orgulhosos de ali jazerem sempre a postos, prontos a receberem alguém que tivesse o prazer de aconchegar-se naquela rusticidade encantadora e passar um tempo deleitando-se com a leitura ou a escrita de algumas boas páginas.
Enquanto pressurosamente, a caneta percorre as pautas do papel, por natureza amarelado, compondo versos estonteantes e fortes, nota-se a imperceptível presença de um outro habitante do local. Estava lá, como sempre estivera, utilíssimo, realizando seu importante trabalho no ambiente, embora nunca fosse citado no rol dos moradores. O cesto de lixo.
Observei-o ali, quieto, contribuindo fielmente para o bem-estar do espaço, de seus moradores e seus visitantes. Não era tão pequeno, nem vivia tão escondido, entretanto passava, por todos despercebido. A não ser quando alguém precisava e cobrava-lhe o prosseguimento de sua ininterrupta tarefa, que apesar de nada desejável era inegável o seu caráter nobre.
Devo confessar que senti um certo constrangimento, pelo fato de ter passado tão longo tempo sem notar, como devia, a sua presença naquele lugar, onde sem precisar fazer qualquer esforço, quem quer que seja poderia enxergá-lo. Comecei a pensar que essa mesmíssima situação, não raramente, é vivenciada por inúmeras pessoas, mesmos todos sabendo que em nada são melhores que elas, visto que, de igual modo, estas são seres únicos, especiais e imprescindíveis.
Desde aquele episódio, em que sem ouvir qualquer palavra, fui brutalmente confrontado, esforço-me para estar atento a tudo quanto se passa ao meu redor, a fim de que minha percepção se aguce e alcance o máximo de seres que estejam em minha volta. E não só os reconheça mas, sobretudo, ressalte a sua relevância.
Esse senso presente, credito àquele cesto que, não contente em apenas cumprir sua missão, o que já seria um feito louvável, foi além, despertou minha atenção para notar todas as presenças, antes imperceptíveis para mim.